No segundo semestre de 2008, o presidente Lula anunciou que o governo iria abrir concorrência para a seleção de empresas privadas interessadas em operar aeroportos do país, sob o regime de concessão. Por esse regime, o ativo continua como propriedade da União, ficando a cargo da empresa a administração, a operação e os investimentos previstos no contrato. Naquela ocasião, o presidente anunciou também que iria transferir para a iniciativa privada a construção e a operação de um novo aeroporto em São Paulo. Como o país vivia o caos do apagão aéreo e o governo não dispunha de recursos para bancar o grande volume de investimentos exigidos, o anúncio das medidas foi bem recebido e surgiram previsões de que os aeroportos brasileiros entrariam em uma fase de investimentos e expansão.
Infelizmente, tudo ficou na retórica, o assunto saiu das manchetes, ajustes operacionais e a crise se encarregaram de acalmar o apagão aéreo, e a situação regrediu ao ponto de antes. Caso o Brasil consiga aumentar o Produto Interno Bruto na faixa dos 5,5% em 2010, como até organismos internacionais estão prevendo, o risco de um colapso aeroportuário não é desprezível. Diante do cenário negativo para o setor, o ministro da Defesa, Nelson Jobim, voltou a falar sobre a retomada da proposta de atrair capitais privados para investimentos em aeroportos. Inicialmente, há de se registrar a estranheza de planos de investimentos em infraestrutura estarem na alçada do ministro da Defesa, como também seria estranho se o ministro dos Transportes fosse o encarregado de tratar de assuntos de defesa nacional. A explicação é que o Brasil ainda tem seus aeroportos administrados por estruturas militares. Quem não se lembra do episódio do movimento revindicatório dos controladores de tráfego, quando o líder da categoria foi preso pelo brigadeiro-chefe?
Outro problema no anúncio do Ministro da Defesa diz respeito à falta de convicção e falta de perseverança do governo quanto à abertura do setor para investimentos privados. A impressão geral é a de que o governo entende ser necessária a participação do capital privado para bancar o alto volume de investimentos requeridos, mas, por questões ideológicas, titubeia e vacila em ir adiante com as licitações. É o mínimo que se deduz do fato de o governo não ter implementado as medidas anunciadas pelo presidente há quase dois anos. Além de não dispor dos recursos para cobrir os investimentos necessários, o setor público também não pode seguir tomando empréstimos, que aumentariam a já elevada dívida pública. Vários políticos alinhados com o governo adotam comportamento contraditório: eles não querem o setor privado nos portos e nos aeroportos, por acharem que esses setores devem continuar nas mãos do Estado (o que exigiria mais empréstimos governamentais e mais gasto com juros), mas vivem criticando os desembolsos do Tesouro destinados a pagar juros da dívida. Apesar de incoerentes, é assim que agem muitos homens públicos importantes, dando grande contribuição para o aumento da confusão.
Apesar dos percalços e das dúvidas governamentais, o país precisa de investimentos urgentíssimos nos aeroportos e o ministro da Defesa deve ser instado a levar sua proposta adiante o mais rápido possível. Uma pedra nesse caminho é que estamos em ano de eleição e o governo quer fugir de qualquer menção à ideia de "privatização", podendo, por isso, engavetar as licitações. Entretanto, concessão não é privatização de patrimônio público. A concessão é um regime pelo qual a União atrai o capital privado para investir no setor, mas mantém com o governo tanto a propriedade quanto a fiscalização dos investimentos e da operação do ativo. Processos eleitorais têm o condão de emburrecer o debate e levá-lo para o campo da irracionalidade. Por isso cabe à imprensa e às entidades sociais contribuir para o esclarecimento da questão e alertar para a necessidade de investimentos urgentes, fundamentais para suportar o crescimento do produto, da renda e do emprego. O mesmo raciocínio pode ser feito para quase toda a infraestrutura do país: rodovias, ferrovias, portos, energia, armazenamento, telecomunicações etc. Pelas mesmas razões expostas aqui, o setor público não tem como dar conta, sozinho, de nenhum desses setores. Assim, rejeitar investimentos privados por crenças ideológicas é uma estupidez política sem tamanho. Por outro lado, a economia brasileira ficou muito grande e requer valores cada vez mais altos em investimentos... e não dá para perder mais tempo.



