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Nos anos seguintes ao fim da Segunda Guerra Mundial, principalmente quando da volta de Getúlio Vargas à Presidência da República, em 1951, começou a tomar forma a ideia de que o Brasil estava diante de excepcional oportunidade histórica para começar o desenvolvimento acelerado capaz de criar um país grande em poucos anos. Foi na onda dessa ideia que a Petrobras foi criada, em 1953, e Juscelino Kubitschek foi eleito, em 1955, sob um ousado plano de metas intitulado “50 anos em 5”. O plano propunha conduzir o Brasil a uma verdadeira revolução econômica nas áreas de infraestrutura de energia e transportes, expansão industrial, educação, saúde, tecnologia e outras, num total de 31 metas principais.
Tais propostas vinham na sequência da constatação de que o Brasil se equilibrava em grave dependência de suprimentos internacionais nos setores de aço, celulose, papel, químicos, máquinas e equipamentos, e que sem a importação dos insumos, equipamentos e produtos dessas áreas, a economia brasileira seria paralisada. Essa descoberta levou amplos setores empresariais e políticos liberais a defenderem um programa para atrair os produtores estrangeiros e reduzir a grave dependência brasileira de importações e a perigosa vulnerabilidade energética do país.
Ocorre que, com vocação para boicotar suas chances históricas, o Brasil terminou o governo de Juscelino com aumento da dívida pública, inflação, emissão monetária descontrolada e acusações de corrupção, em boa parte devido ao ousado projeto de construção de Brasília. Tendo sido substituído na Presidência da República por Jânio Quadros em 1961, à crise econômica juntou-se uma gigantesca crise política, com a renúncia de Jânio em agosto do mesmo ano, cujo desfecho foi a mudança de regime: o golpe de 31 de março de 1964 colocou no poder o primeiro presidente do regime militar, Humberto de Alencar Castelo Branco. O mandato de Castelo Branco foi dedicado a controlar a inflação e debelar a recessão econômica que castigava o país.
O Brasil paga um alto preço por sua vocação para o nacionalismo econômico, a xenofobia contra capitais estrangeiros e a falta de abertura ao comércio internacional
Estava temporariamente suspenso o projeto do Brasil grande até que o país conseguisse controlar a inflação e vencer a recessão, o que foi possível pelo bom trabalho dos ministros Roberto Campos (Planejamento) e Otávio Gouveia de Bulhões (Fazenda). Com isso, foi possível recuperar as condições necessárias ao crescimento. Na sequência, a economia nacional passou a ter bom desempenho, culminando com o período de 1968 a 1973, chamado de “milagre brasileiro”, quando o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu a taxas elevadas e estimulou o retorno do “Projeto do Brasil Grande”, apoiado na tese geopolítica de que, por sua grande extensão territorial e riquezas naturais, o Brasil estava destinado a se tornar grande potência mundial.
Essa teoria está intrinsecamente ligada ao contexto histórico da época, marcado por nacionalismo e otimismo em relação ao futuro, e a ideia do “Brasil Grande” era vista como forma de romper com o estigma de país intermediário, ainda atrasado, e consolidar o Brasil como uma potência global. Naqueles anos, mais propriamente em 1973, um obstáculo se atravessou no caminho do desenvolvimento brasileiro: a explosão da crise mundial do petróleo, iniciada no segundo semestre de 1973, quando os países componentes da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) adotaram o embargo petrolífero contra os países apoiadores de Israel durante a Guerra do Yom Kippur, fazendo o preço do barril de petróleo saltar de US$ 3 para a máxima de US$ 14.
Neste ponto, vale registrar que o Brasil começou ali a pagar alto preço por sua vocação para o nacionalismo econômico, a xenofobia contra capitais estrangeiros e a falta de abertura ao comércio internacional – uma vocação, aliás, cujos ecos voltamos a ver nas reações destemperadas de Lula e seus aliados à imposição de tarifas por parte do norte-americano Donald Trump. A Petrobras era símbolo desse paradigma: uma empresa estatal com o monopólio da exploração e industrialização dos derivados de petróleo. A fórmula inteligente era aquela pregada pelos liberais, especialmente por Roberto Campos, que sugeriu a Getúlio Vargas criar uma empresa estatal sem monopólio e abrir o setor para receber empresas estrangeiras com seus capitais e tecnologia, para o país absorver investimentos e dividir riscos, deixando os escassos capitais nacionais para atividades de menor risco e remuneração certa.
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O monopólio foi responsável por manter o país atrasado na prospecção e retardou a conquista da autossuficiência, tanto que em 1973 (ou seja, 20 anos desde a criação da Petrobras) o Brasil ainda importava 75% do petróleo consumido internamente. Com a explosão dos preços da commodity, a economia nacional foi acometida de grave crise, cujas marcas foram o elevado endividamento externo, a recessão e o desemprego. Vale o registro histórico de que o Brasil atingiu a autossuficiência quantitativa de petróleo somente 45 anos após a criação da Petrobras, mas ainda hoje as refinarias brasileiras não processam petróleo pesado, de forma que o país se obriga a exportar a produção nacional de petróleo pesado e importar petróleo leve. Ou seja, a autossuficiência quantitativa não significa que o país pode viver sem importação do produto.
O sonho do “Brasil Grande” começou a ser boicotado também por uma política que foi se agravando e tornou-se, quando não o maior, pelo menos um dos maiores obstáculos ao crescimento econômico: a elevada e confusa carga tributária. Sobre esse aspecto é importante ressalvar que a carga tributária que define as condições de crescimento é a carga efetivamente arrecadada pelos cofres públicos municipais, estaduais e federais. Quando José Sarney assumiu a Presidência, no início de 1985, ele reclamava que a carga tributária arrecadada de 21% do PIB era pequena e que, se essa carga fosse elevada para 25% do PIB, o governo conseguiria eliminar a miséria no país. Pois a carga tributária efetivamente arrecadada atualmente atingiu 34% do PIB, mediante uma carga tributária nominal que supera os 45%, e a miséria continua grande, tendo como razão agravante o fato de o governo, nas três esferas da federação, ser notoriamente ineficiente, desperdiçador e com elevado nível de corrupção.
Outro problema muito grave que ajuda a emperrar o desenvolvimento brasileiro é que, mesmo contando com carga tributária efetiva de 34% do PIB, o setor estatal como um todo investe não mais que 2,5% do PIB, fazendo que a taxa de investimento geral da economia não passe dos 17% do PIB, quando o ideal seria aproximar-se dos 25% para dotar o país de expressiva infraestrutura física e social. Mesmo com carga tributária tão elevada, o setor público brasileiro tem como norma imutável a falência financeira de grande parte dos municípios, a crise fiscal dos Estados, o enorme déficit público e baixa taxa de crescimento.
Governos esquerdistas são instrumentos de atraso econômico e crise política, e nunca puseram um único país no grupo das nações desenvolvidas
O Brasil dispõe de recursos naturais e alguns elementos de sua economia favoráveis ao crescimento econômico e ao sonho de país desenvolvido. Porém, o país não tem sido capaz de resolver seus grandes males, em parte pelo disfuncional sistema político e a eterna crise de funcionamento dos três poderes. Se há algo normal e rotineiro na vida brasileira é a crise política, sempre presente em maior ou menor grau. Os esquerdistas viviam dizendo que o Brasil não crescia por não ter sido governado por partidos esquerdistas amantes das doutrinas socialistas e suas variações. Entretanto, após o principal partido de esquerda, o PT, ter ganho cinco eleições presidenciais, os resultados provam exatamente o contrário: governos esquerdistas são instrumentos de atraso econômico e crise política, e nunca puseram um único país no grupo das nações desenvolvidas. Essa é a tônica no Brasil e na América Latina inteira.
Os economistas Daron Acemoglu, Simon Johnson e James A. Robinson, ganhadores do Prêmio Nobel de Economia de 2024, foram premiados por seus estudos comprobatórios da qualidade das instituições e do desenvolvimento tecnológico na determinação do progresso das nações. Tudo isso posto, o atraso brasileiro está fortemente enraizado na baixa qualidade de suas instituições, na elevada carga tributária, no baixo investimento público em relação ao PIB, na pequena e envelhecida infraestrutura física, nos maus governos, na crise política, na má divisão das tarefas entre os três poderes, na ineficiência estatal, na alta taxa de corrupção e na baixa incorporação tecnológica. O desafio do desenvolvimento brasileiro é gigantesco, sobretudo porque em boa parte os beneficiários das estruturas e instituições ineficientes e viciadas constituem enormes obstáculos à superação dos vícios e cultivo das virtudes políticas e sociais.



