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Editorial

Pacote fiscal pífio leva Copom a adotar o torniquete monetário

Roberto Campos Neto Copom Banco Central
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, durante apresentação do Relatório Trimestral de Inflação, em setembro de 2024. (Foto: Fernanda Palacio/Banco Central do Brasil)

Ainda que o consenso do mercado financeiro no início desta semana apontasse para uma elevação de 0,75 ponto porcentual na taxa Selic, a decisão tomada pelo Comitê de Política Monetária (Copom) na quarta-feira, subindo os juros em 1 ponto porcentual, para 12,25% ao ano, não foi tão inesperada assim, a ponto de o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ter dito que ela “já estava precificada”. O que talvez não estivesse no radar, no entanto, foi o tom bastante duro do comunicado, que antecipou duas novas elevações de 1 ponto nas próximas reuniões, já em 2025 e com Gabriel Galípolo na presidência do Banco Central – ele e os outros três escolhidos de Lula, aliás, ajudaram a formar unanimidade nesta última reunião de 2024.

Haddad deve saber muito bem por que o mercado já havia “precificado” uma elevação de 1 ponto, e muito provavelmente entende por que o Copom resolveu retomar o forward guidance, a prática de antecipar futuras decisões, “em se confirmando o cenário esperado”, mencionando outras duas subidas bastante drásticas. Afinal, foi Haddad quem anunciou ao país o tão esperado quanto pífio pacote fiscal que, em vez de efetivamente cortar gastos, não faz muito mais que limitar o seu crescimento, que continuará a ser a regra apesar da trajetória bastante preocupante da dívida pública e da perspectiva de resultados primários bastante ruins no curto prazo.

O pacote fiscal também deve ter confirmado, entre os membros do Copom, a sensação de que o Banco Central está sozinho na missão de controlar a inflação

Muito diplomaticamente, o Copom se absteve de afirmar com todas as letras que o pacote não contribui em praticamente nada para uma política fiscal “crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida”, como vinha pedindo nos comentários anteriores. O colegiado limitou-se a constatar que “a percepção dos agentes econômicos sobre o recente anúncio fiscal afetou, de forma relevante, os preços de ativos e as expectativas dos agentes, especialmente o prêmio de risco, as expectativas de inflação e a taxa de câmbio”. Isso não quer dizer, obviamente, que a reação negativa tenha sido pura invenção ou exagero dos investidores; eles apenas perceberam a incapacidade do governo Lula de realizar os cortes necessários e ajustaram suas expectativas diante da dura realidade.

O pacote também deve ter confirmado, entre os membros do Copom, a sensação de que o Banco Central está sozinho na missão de controlar a inflação, já que o governo federal não abrirá mão de sua gastança inflacionária, nem da sua estratégia de incentivar o consumo para fomentar crescimento. O IPCA de novembro, embora tenha desacelerado em comparação com o de outubro, elevou ainda mais o acumulado dos últimos 12 meses, que agora é de 4,87%. O índice cheio de 2024 só ficará dentro da banda de tolerância (que vai de 1,5% a 4,5%, com meta de 3%) se a inflação de dezembro for inferior a 0,20%, algo que o mercado financeiro considera pouquíssimo provável – a mais recente pesquisa Focus atesta que as instituições financeiras já preveem novo estouro do limite em 2025.

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As consequências negativas dos juros altos são amplamente conhecidas, mas, se as expectativas de inflação futura estão piorando rapidamente e se o governo realmente fará o BC estancar a sangria sozinho, um aperto simples não será mais suficiente. É a irresponsabilidade fiscal vinda do Planalto que leva os diretores do Copom a adotar o torniquete monetário e a prometer mantê-lo por pelo menos mais um trimestre caso as circunstâncias permaneçam as mesmas de agora. O “canto do cisne” de Roberto Campos Neto, em sua última reunião como presidente do Banco Central, é um recado inequívoco a todo o país sobre os efeitos da inconsequência governamental na gestão das contas públicas.

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