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Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, durante apresentação de relatório em março de 2024.
Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, durante apresentação de relatório em março de 2024.| Foto: André Costa/BCB

Em meados de março, ao promover um novo corte de meio ponto porcentual na taxa Selic, os membros do Copom afirmaram de forma unânime, em comunicado, que “anteveem, em se confirmando o cenário esperado, redução de mesma magnitude na próxima reunião”. Um mês e meio depois, no entanto, cinco dos nove membros mudaram de ideia, e optaram por uma redução menor, de 0,25 ponto porcentual; agora, a taxa de juros básica é de 10,5% ao ano. O “cenário esperado”, portanto, parece não ter se confirmado. Mas o que, exatamente, aconteceu para esta mudança, que inclusive já havia sido antecipada por parte do mercado financeiro?

Os Estados Unidos seguem relutantes em iniciar um processo de afrouxamento monetário, o que por si só já pressiona o câmbio dos países emergentes e cria pressões inflacionárias nessas nações, mas esse fator já estava presente em março. Outros elementos citados no comunicado de quarta-feira também são antigos, como o fato de os núcleos de inflação seguirem acima da meta, embora o IPCA cheio esteja em “trajetória de desinflação”. No entanto, houve uma enorme mudança no período transcorrido entre a reunião de março do Copom e a reunião recentemente encerrada: uma sinalização forte do governo contra a responsabilidade fiscal.

Uma política fiscal tolerante com o aumento irresponsável do gasto público, que tem consequências inflacionárias, impede a continuação do ciclo de afrouxamento monetário, ao menos na velocidade em que ele vinha ocorrendo

A mudança na meta de resultado primário de 2025 não foi citada explicitamente no comunicado, mas para bom entendedor pingo é letra. Quando menciona “desenvolvimentos recentes da política fiscal”, é evidente que o texto se refere ao abandono da meta de superávit primário de 0,5% do PIB no ano que vem, trocada por um objetivo de resultado zero, com tolerância de 0,25 ponto para mais ou para menos, de acordo com o projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO) de 2025 enviado pelo governo ao Congresso. A meta antiga, é bom lembrar, havia sido proposta pelo próprio governo Lula no arcabouço fiscal aprovado no ano passado.

Sem fazer uma crítica direta à desmoralização do arcabouço, o Copom afirmou no comunicado que “uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária”. O recado está implícito: uma política fiscal tolerante com o aumento irresponsável do gasto público, que tem consequências inflacionárias, impede a continuação do ciclo de afrouxamento monetário, ao menos na velocidade em que ele vinha ocorrendo. Isso é algo que Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, já havia dito de forma bem mais clara em abril, quando afirmou que a mudança na meta de superávit primário tornava “muito mais difícil” o trabalho do BC.

Essa alteração, aliás, foi a gota d’água que fez “a ficha cair” para um dos principais gestores de fundos do país. Luis Stuhlberger, da Verde Asset, afirmou na terça-feira que “arrependo-me de ter acreditado que o PT poderia ter alguma seriedade fiscal” – um mea culpa que vem com atraso considerável até mesmo em comparação com outros economistas que “fizeram o L” e perceberam muito mais rapidamente que haviam apoiado um perdulário. Nem Lula nem o PT deram qualquer demonstração de compromisso com as contas públicas, nem mesmo durante a campanha, como se observava pelos ataques do então presidenciável petista ao teto de gastos e por suas falácias em que diferenciava “gasto” de “investimento”.

Estava evidente que não era simplesmente uma questão de Lula não aprender com os erros passados, que resultaram na maior crise econômica da história do país; as declarações do petista deixavam claro que ele considerava não ter havido erro nenhum na “nova matriz econômica” que gestou a recessão de 2015-16. Assim, Stuhlberger – como muitos outros, a exemplo de Henrique Meirelles e Armínio Fraga – acreditou porque quis acreditar, não porque houvesse qualquer elemento real que sustentasse tal crença. Sua sorte, e a de outros economistas que apoiaram Lula, é ter os recursos financeiros e o conhecimento necessário para proteger seu patrimônio, ao contrário de inúmeros brasileiros que padecerão as consequências da irresponsabilidade lulista.

Querer gasto ilimitado com juro baixo, como pretendem lideranças petistas, é viver em um mundo de fantasia

A redução de 0,25 ponto definida nesta semana chamou a atenção não tanto pela magnitude –  que, como afirmamos, já era esperada –, e mais pela maneira como se desenhou a divisão dentro do Copom, com o resultado mais apertado possível: 5 votos contra 4 (a minoria pleiteava a repetição do corte de meio ponto). Divergências são naturais; em outra reunião importante, a de agosto de 2023, que iniciou o atual ciclo de redução da Selic, o placar foi o mesmo, mas em favor do corte maior, inclusive com o apoio de Campos Neto. Desta vez, no entanto, há um alinhamento claro, com os quatro diretores indicados por Lula querendo a redução maior, enquanto os cinco diretores indicados por Jair Bolsonaro votaram pelo corte de 0,25 ponto. O comunicado não aponta os argumentos da ala minoritária; será preciso esperar pela ata da reunião, na próxima terça-feira, e por movimentos futuros para sabermos se as razões do quarteto são técnicas ou políticas. O certo é que Lula adoraria ter um Tombini para chamar de seu – Alexandre Tombini, recorde-se, presidiu o BC durante um ciclo de redução artificial e insustentável da Selic entre 2011 e 2012, no primeiro mandato de Dilma Rousseff.

A deputada federal Gleisi Hoffmann, presidente do PT, puxou o coro dos descontentes afirmando que o corte de 0,25 ponto era um “crime contra o país”. Ironicamente, Gleisi é uma das principais defensoras da prática que impede uma redução mais substancial dos juros: o gasto público ilimitado. Em nome dele, a parlamentar frequentemente entra em choque com a equipe econômica, menos irresponsável em relação às contas públicas – seria um exagero chamar de “responsável” quem propôs aumento real na despesa governamental independentemente do desempenho da economia. Pois o preço da gastança defendida por Gleisi começa a ser cobrado com a recente decisão do Copom. Querer gasto ilimitado com juro baixo é viver em um mundo de fantasia, o mesmo em que Dilma – de quem a atual deputada foi ministra-chefe da Casa Civil – pretendeu viver uma década atrás, e os resultados dessa fantasia ainda estão vivos na memória do brasileiro.

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