
O caso do comerciante Alexandre Roger Lopes, 23 anos, executado com dois tiros pelas costas no interior do Ceará por não pagar o valor que o Comando Vermelho exigia para que ele mantivesse o ponto de venda de espetinhos, diante da própria casa, revoltou o Brasil. Subitamente, a facção elevara de R$ 400 para R$ 1 mil o “pedágio” cobrado para que Lopes pudesse trabalhar; o comerciante, no entanto, não tinha o dinheiro e mandou a mesma quantia dos meses anteriores – foi o que bastou para os criminosos decretarem sua sentença de morte. Não se trata de crime isolado, por óbvio; o caso é apenas mais uma evidência de como o Brasil está sendo humilhado na luta contra o crime organizado.
Não há levantamento recente a respeito desse assunto que não escancare a falência nacional quando se trata de segurança pública. Pesquisadores norte-americanos, usando dados do Latinobarómetro de 2020, apuraram que o Brasil é o país latino-americano com a maior parcela da população que diz conviver com facções criminosas que impõem regras nos territórios por elas dominados: 26%. Quando o critério é simplesmente a presença do crime organizado, ainda que ele não tenha o poder de determinar regras, o número é exorbitante: 73% dos entrevistados atestaram a presença de facções no bairro ou no município onde residem. Um outro levantamento, do jornal O Globo, mapeou 64 facções criminosas no Brasil; ao menos 12 delas atuam em mais de um estado, com destaque para o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), presentes em 25 e 26 unidades da Federação, respectivamente. Bahia e Pernambuco são os líderes em número de facções locais.
Não há levantamento recente que não escancare a falência nacional quando se trata de segurança pública e do combate ao crime organizado
Poucos locais demonstram com tanta eloquência esse triste cenário quanto o Rio de Janeiro. Segundo o Conselho Nacional de Justiça, o estado tem 1,7 mil áreas onde o poder público perdeu completamente o controle para traficantes ou milicianos. Na região metropolitana da cidade do Rio de Janeiro, um quinto do território está fora das mãos do Estado, de acordo com o Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF) e o Instituto Fogo Cruzado. Os grupos disputam território entre si e impõem normas de conduta nos locais onde seu domínio está consolidado.
Sem que o Estado consiga (ou, em alguns casos, se esforce para) freá-las, as facções vão ampliando seu poder, usando vários tipos de negócios lícitos para lavar dinheiro e até mesmo financiando campanhas políticas, enquanto suas ações crescem em ousadia, como bem demonstrou a execução de um empresário, ex-colaborador do PCC que havia assinado um acordo de delação premiada, à luz do dia, no desembarque do aeroporto internacional de Guarulhos (SP), no ano passado. Esta hidra de inúmeras cabeças foi alimentada por décadas, e de muitas formas diferentes: Leonel Brizola, o governador que proibiu a polícia de subir os morros cariocas na década de 80 do século passado, esteve longe de ser a única autoridade leniente com o crime. Ideologias bandidólatras enxergam os criminosos como “vítimas da sociedade” e se opõem (com boa dose de sucesso) a quaisquer políticas que endureçam o combate ao crime. A glamourização do uso de drogas pela esquerda, leis frouxas e polícias mal equipadas terminam de compor o cenário desesperador, que permite a juízes soltarem bandidos flagrados com 200 quilos de cocaína, como ocorreu em Itu (SP), ou que já tenham quase 90 passagens pela polícia, como ocorreu no Rio.
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É preciso sufocar economicamente as facções e investir pesadamente tanto em inteligência policial quanto em meios para que o Estado possa recuperar o controle das áreas perdidas para o crime organizado. Quando algum chefão é capturado, impõe-se a necessidade de isolá-lo para ao menos tentar interromper a cadeia de comando dos grupos criminosos. Qualquer plano de combate ao crime organizado e qualquer tentativa de mudar a legislação que não tenha essas prioridades está condenado ao fracasso, mas tudo o que vem sendo oferecido até o momento não passa de paliativos.
Além da PEC da Segurança, que já tramita no Congresso, o governo quer lançar o que apelidou de “Plano Real da Segurança”. O nome contém uma dupla ironia – primeiro, porque o petismo fez o possível e o impossível para sabotar o Plano Real original; segundo, porque algumas das medidas são reciclagens do pacote anticrime proposto por Sergio Moro quando ele foi ministro da Justiça e Segurança Pública, e que o petismo criticou pesadamente, votando a favor do projeto de lei apenas quando ele já tinha sido bastante desidratado. Mas, quando o próprio presidente Lula vai a uma favela considerada um “quartel-general” do PCC, em visita precedida de reunião de um ministro com a irmã de um chefe do tráfico atualmente preso – sendo que ela mesma também já foi condenada por homicídio –, ao que tudo indica negociando com as facções esta e outras visitas, é de se questionar qual o real compromisso do governo com o combate ao crime organizado.



