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A fuga do senador boliviano Roger Pinto Molina, que estava abrigado na Embaixada Brasileira na Bolívia, causou mal-estar entre os dois países e já custou a cabeça do então ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. O diplomata que tomou a iniciativa de trazer Pinto Molina ao Brasil, Eduardo Saboia, foi afastado de suas funções por tempo indeterminado. Mas uma análise do episódio mostra que a razão está justamente com Saboia, que resolveu agir em defesa dos direitos do senador diante da inatividade dos governos de Brasil e Bolívia.

Na Bolívia, Pinto Molina era o líder da oposição – palavra que desperta os instintos mais primitivos em bolivarianos como Evo Morales e seus colegas Rafael Correa, o falecido Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro. Acabou processado por dezenas de crimes, incluindo desacato, já que o senador tinha acusado o presidente Morales de ligações com o narcotráfico. Condenado por corrupção no ano passado, Pinto Molina buscou refúgio na representação diplomática brasileira, e Dilma Rousseff concedeu asilo político ao parlamentar – reconhecendo, implicitamente, que ele não era um criminoso comum, mas vítima de perseguição política.

Com Pinto Molina recebendo o status de asilado, o governo boliviano não fez o que devia – no caso, conceder salvo-conduto para que o senador pudesse ser levado ao Brasil. Isso levou a um impasse que durou exatos 452 dias. Em entrevista à Folha de S.Paulo, Saboia deixou claro que nenhum dos dois países parecia muito interessado em resolver o assunto. Os brasileiros, aliados ideológicos de Evo Morales, já tinham irritado suficientemente o presidente boliviano ao conceder asilo a Pinto Molina e talvez não estivessem dispostos a piorar a situação. Morales, ao recusar o salvo-conduto, provavelmente pretendia vencer Pinto Molina pelo cansaço ou se apoiar na afinidade entre os partidos que governam os dois países, o PT e o Movimento ao Socialismo, em busca de um desfecho que lhe agradasse. Precedente havia: em 2006, militares bolivianos invadiram uma refinaria da Petrobras, nacionalizada por Morales. Como o então presidente Lula, o ministro Celso Amorim e o assessor Marco Aurélio Garcia preferiram o companheirismo ideológico à defesa do interesse nacional, ficou tudo por isso mesmo – o episódio foi um dos muitos pontos baixos que vêm caracterizando a diplomacia brasileira nos últimos dez anos.

Mas nem Brasil, nem Bolívia imaginaram a iniciativa feliz de Eduardo Saboia, encarregado de negócios da embaixada. Com a saúde de Pinto Molina (abrigado em uma sala de telex, pela descrição do diplomata brasileiro) se deteriorando, e a falta de respostas do governo brasileiro a esse alerta, restou a solução da fuga: 1,6 mil quilômetros de carro até a fronteira brasileira, onde eles foram recebidos pelo senador brasileiro Ricardo Ferraço (PMDB-ES), presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, e seguiram para Brasília.

Na prática, o que Saboia fez foi, diante de uma situação em que o Itamaraty estaria adotando a protelação como estratégia, aplicar por conta própria os princípios humanitários que sempre nortearam a política externa brasileira. Agora, o Ministério das Relações Exteriores pretende investigar a fuga e concentra suas atenções em Saboia, quando deveria também tentar descobrir como agiram seus demais funcionários ao longo de toda a negociação com o governo boliviano para que Pinto Molina pudesse deixar seu país com segurança, sem ter de recorrer a expedientes cinematográficos. Se é verdade que, como alegou Saboia na entrevista à Folha, o Itamaraty vinha "empurrando com a barriga" um "faz de conta" em que "eles fingem que estão negociando e a gente finge que acredita", enquanto fazia um asilado passar 15 meses em condições longe das ideais, há muito mais a apurar que o episódio do último fim de semana.

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