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 | Rafael Neddermeyer/USP Imagens/Fotos Públicas
| Foto: Rafael Neddermeyer/USP Imagens/Fotos Públicas

O lamentável e destruidor incêndio que atingiu o Museu Nacional, claramente deteriorado pela falta de manutenção e conservação, recebeu da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, a seguinte declaração: “O museu é mais uma vítima do golpe, da turma do austericídio: PSDB, Bolsonaro et caterva! É uma tristeza ver isso”. Por “austericídio” ela se referia ao corte de investimentos do governo atual, como se a crise financeira do museu não viesse de muitos anos, inclusive dos três governos e meio do PT, ao qual ela serviu como chefe da Casa Civil no governo de Dilma Rousseff. Seria injusto atribuir apenas a Gleisi Hoffmann as críticas e gritos contra qualquer política de gestão financeira austera no setor público, pois essa é a tônica de todos os partidos de esquerda e de quase todos os seus candidatos ou representantes. 

Mas o que é uma política de austeridade? Em síntese, é a que busca enquadrar os gastos públicos no tamanho da receita tributária, pois a alternativa a isso é gastar mais do que arrecada e fazer dívidas e mais dívidas, nunca pagas, sempre roladas e jogadas para as gerações seguintes, como provam os números da dívida consolidada do setor estatal. O país produziu, no ano passado, R$ 6,56 trilhões em bens e serviços, conforme a divulgação para o total do Produto Interno Bruto (PIB) de 2017. A arrecadação total dos municípios, estados e União girou em torno de R$ 2,23 trilhões – portanto, 34% do PIB –, mas os gastos públicos antes do pagamento de juros e amortização da dívida foram R$ 110,64 bilhões maiores do que a receita. 

Ou se fazem cortes nos gastos do governo ou se aumenta a dívida. A saída é austeridade ou mais dívida

Esse valor de R$ 110,6 bilhões representa o déficit público primário do governo federal, previdência, estados e municípios. Por óbvio, a dívida pública bruta cresceu o equivalente a esse déficit primário mais os juros incidentes sobre o estoque da dívida. Se for considerado que os 34% de carga tributária arrecadada, mesmo com inadimplência, sonegação e renúncias fiscais, representam uma carga altíssima – que chegou ao limite e, portanto, praticamente sem espaço para aumento de tributos –, a única saída para cobrir o déficit primário e os juros da dívida é por meio de novos empréstimos tomados pelo tesouro público. O fato é que ou se fazem cortes nos gastos do governo ou se aumenta a dívida. A saída é austeridade ou mais dívida. 

A dívida nominal bruta do setor estatal atingiu R$ 4,85 trilhões, o equivalente a 74% do PIB, cifra que é muito alta e impõe sacrifícios à população pelo esforço de pagar ou controlar seu crescimento. Os políticos que gritam contra qualquer política de austeridade – como fez a presidente do PT – são os mesmos que esbravejam contra o pagamento dos juros da dívida do governo, uma atitude no mínimo demagógica e hipócrita. No caso específico da senadora, é o caso de pedir explicações sobre por que, no tempo em que ela foi chefe da Casa Civil – época em que, a deduzir de suas palavras, não havia austeridade –, o governo não liberou dinheiro para reformar e conservar o Museu Nacional, o que certamente teria evitado a tragédia que destruiu a quase totalidade dos 20 milhões de itens do museu, com repercussão mundial altamente negativa.

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Às voltas com nova campanha eleitoral para a Presidência da República, ressurgem as críticas e as propostas para renegar a dívida, como sempre sob a acusação de que os gastos com juros respondem pela falta de dinheiro para saúde, educação e segurança. Houve tempo em que o país assistia quase regulamente a passeatas e manifestos do PT e suas entidades-satélites criticando o endividamento do setor público e pregando o calote nos credores. Mas nunca explicaram à população que os credores da dívida do governo são milhões de brasileiros que depositaram seu dinheiro nas instituições financeiras, e que estas emprestaram aos municípios, estados e União. 

É sempre necessário deixar claro que calote na dívida pública não significa golpe contra banqueiros, mas contra os milhões de brasileiros que emprestaram seus recursos ao governo. É muito simples: basta somar o capital próprio em giro de todos os bancos do país e ver o quanto representa dos R$ 4,85 trilhões de dívida pública bruta. Bancos são instituições que fazem a intermediação de capital entre depositantes e tomadores de empréstimos. Do total de empréstimos feitos por um banco, menos de 10% vêm do capital próprio do banqueiro, ou seja, mais de 90% vêm de depósitos da pessoas físicas e pessoas jurídicas. Além de todos esses aspectos, seria recomendável que os políticos estudassem a história dos calotes de dívidas públicas já praticados por vários países em épocas diferentes. O roteiro é quase sempre o mesmo: prejudicaram a economia, empobreceram a população, reduziram o crescimento do produto nacional e pioraram a ética pública e privada.

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