
Depois de se encontrar com o ditador russo, Vladimir Putin, na última sexta-feira, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, recebeu seu colega ucraniano, Volodymyr Zelensky, vários outros líderes europeus, e o secretário-geral da Otan nesta segunda-feira, na Casa Branca. A presença deste grupo ampliado em torno de Zelensky não deixou de ser providencial: primeiro, para evitar novos espetáculos deploráveis como o bate-boca de fevereiro; segundo, porque os europeus têm sido aliados incondicionais da Ucrânia, e também são ameaçados pelo imperialismo expansionista de Putin. A julgar por todas as declarações feitas após a reunião, há alguns poucos sinais promissores e muitas dúvidas.
O intervalo entre os dois encontros havia sido marcado por declarações de Trump que ou endossavam reivindicações russas ou eram genéricas demais para representar qualquer tipo de apoio real à Ucrânia. Mais de uma vez, o norte-americano deixou mais ou menos explícito que os ucranianos teriam de aceitar uma cessão de território para encerrar o conflito, enquanto dizia que até mesmo Putin havia concordado com “garantias de segurança” à Ucrânia, sem dar nenhum exemplo concreto do que isso significaria – até porque pode-se imaginar que Putin não apoiaria nada que fosse efetivamente uma garantia real de que a Ucrânia estaria protegida de novos ataques russos no futuro.
Desde o início da invasão russa, já era evidente que impedir novas agressões seria parte imprescindível de qualquer acordo de paz
Trump, agora, está empenhado em conseguir colocar Zelensky e Putin frente a frente em uma mesa de negociação – não só uma, mas duas vezes: na primeira, a conversa se daria apenas entre russos e ucranianos; na segunda, haveria a participação de Trump. Zelensky já concordou e não quis impor condições, uma atitude que contrasta com a de Putin, que desejava arrancar uma série de concessões definitivas dos ucranianos para um mero cessar-fogo, invertendo a ordem de uma negociação decente. A primeira resposta do Kremlin, aliás, já indica que a disposição para o diálogo por parte dos russos não é igual à dos ucranianos.
O presidente da Ucrânia chegou a dizer até que as questões territoriais poderiam entrar nas negociações, embora não sejam algo que dependa apenas de Zelensky – a Constituição ucraniana determina que qualquer cessão de território tem de ser aprovada pela população ucraniana em referendo. Qualquer entrega de áreas ucranianas à Rússia não deixaria de ser uma vitória de Putin e uma validação do uso da força nas relações internacionais; o ideal seria que isso não ocorresse, mas, se por outro lado for a única maneira de encerrar a guerra, a contrapartida em benefício dos ucranianos teria de ser muito maior – desde o início da invasão russa, já era evidente que impedir novas agressões seria parte imprescindível de qualquer acordo de paz. E é aqui que reside a incógnita, pois ninguém sabe ao certo com que “garantias de segurança para a Ucrânia” Trump e Putin disseram ter concordado.
A entrada da Ucrânia na Otan seria uma proteção definitiva, pois qualquer nova agressão à Ucrânia exigiria uma resposta conjunta de toda a aliança militar ocidental; mas Putin rejeita veementemente essa hipótese, e Trump também não a vê com bons olhos. Uma alternativa que foi discutida entre Trump, Zelensky e os europeus foi a proposta de manter a Ucrânia fora da Otan, mas estendendo-lhe a proteção mútua prevista no artigo 5.º do Tratado do Atlântico Norte. Não se sabe, entretanto, o que Putin pensa dessa possibilidade; considerando que o russo pleiteia uma “desmilitarização” da Ucrânia e rejeita qualquer tipo de aproximação entre os ucranianos e o Ocidente, já que enxerga o vizinho como mero satélite de Moscou, é bastante improvável que essa alternativa satisfaça o ditador.
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E se tudo isso falhar? Se não houver cessar-fogo, se os russos não quiserem negociar com os ucranianos, ou se Moscou recusar qualquer tipo de concessão para encerrar a guerra? Trump já prometeu inúmeros prazos para que a Rússia interrompesse a agressão, ameaçando o país com penas econômicas severas; todos esses prazos expiraram sem que o presidente norte-americano impusesse novas sanções drásticas aos russos – a única exceção foi a tarifa aplicada a países que negociam com a Rússia e ajudam Putin a contornar as sanções impostas pelo Ocidente, mas até o momento essa tarifa só foi aplicada à Índia, enquanto vários outros países seguem fazendo negócios com os russos e financiando sua máquina de guerra. Cada ameaça de Trump ignorada por Putin deixa o russo mais à vontade para seguir adiante com o conflito.
Não exageramos quando afirmamos que o mundo está diante de um dilema semelhante ao que as nações europeias enfrentaram em 1938: como conter uma potência expansionista e agressiva, com ambições territoriais e poderio militar formidável. A escolha, naquela ocasião, foi a de apaziguar Hitler sacrificando os Sudetos tchecos; os responsáveis por isso até podiam estar convictos de que faziam a coisa certa, mas os acontecimentos mostraram que a “paz para o nosso tempo” durou muito pouco. Quase nove décadas depois, e tendo o benefício de conhecer o desastre que resultou da escolha de 1938, ninguém pode se comportar como um novo Neville Chamberlain diante de Vladimir Putin.



