
O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central divulgou, na terça-feira, a ata da reunião da semana passada, em que o colegiado decidiu, por unanimidade, manter a Selic em 15%. O documento amplia o comunicado divulgado ao fim da reunião, e não dá muitas esperanças a quem gostaria de ver os juros começarem a cair num futuro próximo. Não há nenhum tipo de forward guidance, sinalizando o desfecho mais provável da próxima reunião, no início de novembro, mas o comitê afirma que o cenário atual “prescreve uma política monetária em patamar significativamente contracionista por período bastante prolongado para assegurar a convergência da inflação à meta”.
Os membros do Copom descreveram um cenário instável. As expectativas para a inflação no futuro próximo, embora estejam em trajetória de ligeira baixa, ainda estão “desancoradas”, ou seja, as previsões ainda colocam o IPCA consistentemente acima da meta estabelecida – como único consolo, em 2026 a inflação ao menos voltaria para dentro da banda de tolerância de 1,5 ponto porcentual acima da meta, o que não deve ocorrer neste ano. E, se é verdade que parte dessa instabilidade se deve a fatores sobre os quais nenhuma autoridade brasileira tem controle, como preços internacionais de commodities e os efeitos do que o Copom chamou de “choque de comércio” – leia-se o “tarifaço” de Donald Trump –, é ainda mais verdadeiro que os diretores do BC estão bem mais preocupados com o cenário interno.
Se há algum tipo de “problema” herdado por Gabriel Galípolo, ele não foi criado por Roberto Campos Neto, e sim por Lula, que insiste em uma política fiscal bastante expansionista
O item 8 da ata é bastante claro quando trata da política fiscal do governo, que “tem potencial de afetar a percepção sobre a sustentabilidade da dívida e impactar o prêmio a termo da curva de juros”. Responsabilidade fiscal eleva a confiança e ajuda a puxar os juros para baixo, mas “o esmorecimento no esforço de reformas estruturais e disciplina fiscal, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia” – em outras palavras, um governo gastador e que estimula o consumo desenfreado gera inflação e, por consequência, força o aumento dos juros para se preservar o valor da moeda.
Se tivesse lido a ata com um mínimo de honestidade intelectual, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, não teria dito os absurdos que disse também na terça-feira, ao site ICL Notícias. Enquanto o Copom fala em uma política monetária “significativamente contracionista por período bastante prolongado”, Haddad afirmou que “o [Gabriel] Galípolo [presidente do BC] vai chegar a um momento em que vai juntar a diretoria e tomar essa decisão”, referindo-se a uma queda na Selic, já que a taxa básica de juros “nem deveria estar em 15%”. Imitando seu chefe, que culpa os antecessores por tudo, Haddad preferiu responsabilizar Roberto Campos Neto, antecessor de Galípolo na presidência do Banco Central: “Quando você herda um problema, é difícil”, disse o ministro da Fazenda, ignorando convenientemente que Galípolo já comanda o BC desde o início do ano, que os indicados por Lula são a maioria no Copom, e que mesmo assim as decisões recentes de elevação e manutenção dos juros têm sido unânimes.
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Se há algum tipo de “problema” herdado por Galípolo, ele não foi criado por Campos Neto, e sim por Lula, que insiste em uma política fiscal bastante expansionista, fazendo a economia rodar muito acima de sua capacidade, elevando gastos com fins claramente eleitoreiros. E, com 2026 se aproximando cada vez mais, sem perspectiva de que o governo vá pisar no freio em relação à despesa pública, o momento em que Galípolo irá “juntar a diretoria” do BC para baixar a Selic parece mais e mais distante – a não ser que ele abandone a postura técnica com que vem conduzindo o Banco Central para colocar o órgão a serviço da campanha eleitoral petista no ano que vem, baixando os juros na marra.
Por um bom tempo, Haddad foi descrito por parte significativa da opinião pública como a “voz da razão” dentro de um governo inclinado ao gasto sem fim – uma percepção explicável apenas por algum tipo de extrema boa vontade, já que na melhor das hipóteses o ministro seria apenas o “menos inconsequente” entre os integrantes da equipe econômica. Pois quando até ele entra de cabeça no jogo da pressão política para a queda dos juros, podemos ter certeza de que não há como esperar qualquer resquício de sensatez na política fiscal em ano eleitoral; o petismo “fará o diabo”, como ensinou certa vez Dilma Rousseff, e a conta cairá no colo dos brasileiros, como sempre.



