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Para tentar combater a escassez crônica de todo tipo de produtos nos supermercados venezuelanos, o presidente Nicolás Maduro anunciou, em 20 de agosto, mais uma medida extrema: os clientes dos estabelecimentos terão de passar por identificação biométrica para garantir que ninguém compre o mesmo produto mais de uma vez na mesma semana. Como todos os supermercados – estatais e privados – terão de usar o sistema, não adiantará ao cidadão mudar o local onde faz suas compras. A decisão de Maduro reforça o controle estatal sobre os hábitos de consumo dos venezuelanos: a biometria já existia desde o início do ano, mas valia apenas para os supermercados do governo, e as compras estavam limitadas pelo cartão "suprimento de alimento garantido", eufemismo escolhido para designar o que, na prática, é um cartão de racionamento.

Os venezuelanos sofrem há meses com a dificuldade para adquirir vários produtos, incluindo alimentos e itens de higiene – o símbolo da escassez recorrente no país é o papel higiênico. O governo bolivariano não assume a culpa pelas prateleiras vazias: prefere acusar os contrabandistas, que estariam se aproveitando dos preços subsidiados dos produtos para comprá-los aos montes e revendê-los na vizinha Colômbia a valores de mercado (uma atividade especialmente lucrativa no caso da gasolina, que na Venezuela é vendida a preços irrisórios), o que levou ao fechamento da fronteira no período noturno, por acordo entre Maduro e seu colega colombiano, Juan Manuel Santos. Além disso, o ditador ataca o mercado negro existente dentro do país, com algumas pessoas estocando os itens de consumo para revendê-los a outros venezuelanos. No entanto, como a biometria nos supermercados estatais já está em funcionamento há meses e os estabelecimentos continuam vazios, ou o sistema tem as suas brechas, ou as reais causas da escassez são outras.

A verdade é que o chavismo bagunçou a economia venezuelana, lançando-a no caos. As estatizações indiscriminadas e a excessiva interferência estatal sobre o que sobrou do setor privado afetaram a capacidade de produção da indústria do país, inclusive no ramo de alimentos. O governo tenta impor uma política de subsídios e controle de preços, mas ainda assim a inflação de 2013 chegou a 56% e não dá sinais de recuo. A situação tem reflexos até mesmo na criminalidade: antes de ser comprado por um grupo espanhol e mudar subitamente de orientação editorial, o jornal El Universal noticiava casos de assaltos cometidos até mesmo por cidadãos comuns contra clientes que acabavam de sair dos supermercados.

O mais incrível é que tudo isso ocorre em um país que está sentado sobre as maiores reservas petrolíferas do mundo. No passado, governos corruptos e oligarquias pouco fizeram para que a riqueza gerada pelo petróleo chegasse à população, mas os governos autoritários dos ­neocaudilhos Hugo Chávez e Maduro conseguiram piorar ainda mais a situação; é verdade que o bolivarianismo lançou políticas sociais que garantiram algumas melhorias nos indicadores do país, mas elas foram bancadas pelos altos preços do petróleo no mercado internacional; os períodos de baixa no valor do barril deixaram a descoberto os problemas econômicos e a falta de planejamento do regime chavista, que se tornou exclusivamente dependente do produto. O resultado é percebido agora, nas prateleiras dos supermercados. Um cenário de calamidade que o governo julga poder superar acumulando informações sobre o que cada venezuelano adquire quando vai às compras, jogando sobre as costas do cidadão as consequências da irresponsabilidade e do autoritarismo.

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