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Se existe um problema muito bem conhecido no Brasil é a baixa qualidade da educação nacional, periodicamente exposta por pesquisas que medem o desempenho dos nossos estudantes. Uma das mais recentes, o Indicador Criança Alfabetizada, divulgado pelo governo federal em meados de julho, mostra que, em 2024, apenas 59,2% das crianças da rede pública de ensino estavam alfabetizadas ao fim do 2.º ano do ensino fundamental. O dado, colhido sob critérios estabelecidos pela própria gestão petista – e criticados por especialistas pela vagueza e viés ideológico, que podem mascarar a real dimensão do problema – nem sequer alcançou a meta mínima estabelecida pelo governo, que era de 60%.
Não há como amenizar o problema. Um país que não consegue alfabetizar suas crianças até os 7 anos está comprometendo de forma irremediável não apenas o futuro dessas crianças, mas o próprio projeto de nação. E que fique claro: não se trata de uma anomalia recente, muito menos de um problema exclusivo da pandemia ou de desastres climáticos localizados. Trata-se de uma catástrofe sistêmica, reincidente, administrada politicamente com a frieza de quem aprendeu a conviver com o fracasso educacional nas escolas brasileiras como se fosse regra – ou que talvez até deseje que ele se perpetue.
O que começa com a não alfabetização aos 7 anos culmina com adolescentes que não sabem fazer contas, interpretar textos ou compreender um gráfico
A tentativa do Ministério da Educação de justificar o baixo desempenho nacional com a tragédia climática no Rio Grande do Sul não faz sentido. Embora o estado realmente tenha registrado queda acentuada – de 63,4% para 45% –, a média nacional já vinha sendo insuficiente. O problema é estrutural e generalizado. Estados que não enfrentaram enchentes aparecem entre os piores colocados: Bahia (35,96%), Sergipe (38%) e Rio Grande do Norte (39%), todos governados por aliados do presidente Lula, estão entre os três piores desempenhos. É irônico – ou trágico – que os mesmos governantes que alardeiam o discurso da inclusão e da justiça social estejam à frente de administrações incapazes de garantir nem sequer o direito elementar à alfabetização. Entre os melhores colocados estão o Ceará – onde há anos a cidade de Sobral se tornou referência internacional em qualidade da educação –, Goiás e Minas Gerais.
E o problema vai além da alfabetização infantil. O que começa com a não alfabetização aos 7 anos culmina com adolescentes que não sabem fazer contas, interpretar textos ou compreender um gráfico. O resultado disso é visível nas avaliações internacionais. O Brasil foi penúltimo colocado no TIMSS 2023 entre alunos do 8.º ano em Matemática, ficando atrás de países com menor PIB per capita e infraestrutura educacional precária. No 4.º ano, 51% dos alunos não atingiram o nível mínimo de proficiência, demonstrando que nem as operações básicas de soma e subtração são dominadas. Não por acaso, o país também figura entre os piores no ranking de Ciências e tem tantos adultos classificados como “analfabetos funcionais”.
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Dados do Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf), também de 2024, revelaram que quase 3 em cada 10 brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais: pessoas que passaram anos na escola e não saíram de lá com a capacidade de compreender um texto simples ou realizar operações básicas com números. A ideia de que estar matriculado equivale a estar educado é um mito confortável – mas não se sustenta. Entre os analfabetos funcionais, ao menos 12% passaram por uma universidade.
Mais estarrecedora que os números, porém, é a resposta institucional a eles. Em vez de reconhecer a gravidade do quadro e adotar medidas duras, baseadas em evidências, o governo federal optou por reescrever políticas educacionais para excluir delas qualquer referência ao uso de ciência e dados objetivos. No novo texto do Pacto Nacional pela Recomposição das Aprendizagens, lançado no ano passado, todas as menções ao uso de evidências científicas foram simplesmente eliminadas. O que antes aparecia como princípio norteador foi substituído por termos genéricos como “promoção da equidade” e “respeito às singularidades”, abrindo espaço para diretrizes ideológicas com pouquíssima aplicabilidade real em sala de aula. Em nome de uma suposta inclusão, nivelou-se por baixo – e o resultado está à vista: da infância à vida adulta, a educação brasileira continua nas cordas.
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Por trás desses números há causas múltiplas: currículos frouxos; abandono de conteúdos importantes para dar lugar a temas secundários; burocratização da política educacional, com pouco ou nenhum incentivo ao desenvolvimento de novas práticas e métodos; e uma perigosa tendência à substituição da pedagogia pela militância. Impactante também é a formação deficitária de professores, que prioriza a ideologia em detrimento da metodologia e da habilidade de ensinar. As universidades formam docentes que nunca pisaram em sala de aula, mas saem doutrinados em teorias sociais e ativismo político. O desprezo pela prática, a indiferença à didática e a hostilidade à excelência acadêmica formam um caldo de mediocridade que contamina toda a cadeia educacional – da creche à pós-graduação. Essa é a verdadeira herança educacional que o país construiu e que continua a manter, com impressionante indiferença.
A única saída é abandonar a complacência e tratar a alfabetização como aquilo que de fato é: uma emergência nacional. Um país onde 40% das crianças não sabem ler, escrever ou compreender um texto básico aos 7 anos não está em crise educacional – está à beira do colapso. E esse colapso não será resolvido com discursos, ideologias, planos genéricos ou metas tímidas. Ele exige compromisso real com a aprendizagem de qualidade e excelência, coragem, vontade política e responsabilidade. Sem isso, continuaremos a ver gerações de brasileiros crescendo sem saber ler, interpretar um texto ou fazer contas.



