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Editorial

Fundão eleitoral avança ainda mais sobre dinheiro do pagador de impostos

isnaldo bulhões fundo eleitoral
O deputado Islando Bulhões, relator do aumento do fundo eleitoral no Orçamento de 2026. (Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados)

No fim de setembro, a Comissão Mista de Orçamento (CMO) do Congresso Nacional deu mais uma das costumeiras mostras de que os parlamentares não hesitam quando se trata de legislar em causa própria. O governo havia proposto R$ 1 bilhão para o fundão eleitoral de 2026, mas os parlamentares, de forma simbólica (ou seja, com a complacência de governistas e oposicionistas), quintuplicaram o valor: agora, será de R$ 4,96 bilhões, com o argumento de que se está apenas repetindo a quantia destinada às campanhas eleitorais em 2024, quando o Executivo havia proposto R$ 940 milhões para o fundo, oficialmente chamado de Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC).

Para conseguir fechar a diferença de R$ 4 bilhões, o relator da instrução normativa que inflou o FEFC, deputado Isnaldo Bulhões (MDB-AL), resolveu redirecionar quase R$ 3 bilhões originalmente destinados a emendas de bancada, e o bilhão que faltava sairá de despesas discricionárias, aquelas de livre escolha do Poder Executivo. Em outras palavras, o Congresso deve avançar ainda mais sobre o escasso dinheiro que o governo federal ainda tem à disposição para investir nos projetos que considera mais importantes, ampliando a fatia do orçamento sobre a qual o Legislativo tem controle total, uma distorção na qual o Brasil é um dos líderes mundiais – para se ter uma ideia, em 2022 o país da OCDE onde o parlamento tinha maior poder de decisão sobre os gastos livres era a Estônia, com 12,1%, enquanto no Brasil este indicador estava na casa dos 20%.

Sendo entidades privadas, os partidos políticos e suas campanhas eleitorais deveriam ser sustentados apenas por seus filiados e simpatizantes

Bulhões disse que um dos propósitos da mudança era “corrigir o equívoco do Poder Executivo”. Equívoco, na verdade, é a própria existência do fundão eleitoral (e do seu primo maior, o Fundo Partidário), criado logo depois que o Supremo Tribunal Federal considerou inconstiticionais as doações de empresas às campanhas eleitorais. Os defensores do fundo afirmam que se trata do “custo da democracia”, mas na verdade ele insere uma distorção gravíssima na democracia, pois dispensa os partidos de efetivamente buscar defender os interesses da população que teoricamente representa.

Uma das bizarrices do atual sistema partidário brasileiro está no fato de ser incrivelmente difícil criar um partido político, mas, superada a barreira inicial, basta a legenda cumprir algumas outras regras, como cláusulas de barreira não muito rigorosas, para ter acesso automático a dezenas de milhões de reais de dinheiro do contribuinte. Nessas condições, não há nenhuma razão pela qual os caciques partidários precisem se esforçar na captação de doações de pessoas físicas e, sendo assim, há estímulo zero para que os partidos de fato atuem na defesa dos seus representados – que, por sua vez, também não veem razão para entregar seu dinheiro a uma entidade que pouco se importa com eles.

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Mas o fato é que, sendo entidades privadas, os partidos políticos e suas campanhas eleitorais deveriam ser sustentados apenas por seus filiados e simpatizantes, aqueles que acreditam na plataforma da legenda ou de um candidato, e não pela coletividade da população. O brasileiro paga seus impostos (que não são poucos) para receber em troca serviços públicos de qualidade, e não para bancar forças políticas que não apoia – e das quais pode até discordar visceralmente. No fim, ele não tem os serviços que merece, e financia políticos que abomina. É o pior cenário possível.

Trata-se, portanto, de uma quantia enorme de recursos públicos, tirada de lugares onde seria muito mais útil ao cidadão, e que ainda por cima tem tudo para ser usada com pouquíssima transparência, já que o Congresso também se empenha em afrouxar regras de fiscalização e aprovar anistias a multas aplicadas por irregularidades – a última delas, em agosto de 2024. A “democracia” dos defensores do fundão está, definitivamente, saindo cara demais ao pagador de impostos brasileiro.

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