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100 milhões de brasileiros não têm esgoto tratado.
100 milhões de brasileiros não têm esgoto tratado.| Foto: Vladimir/Pixabay

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), poupou seu aliado Lula de sofrer uma derrota na votação do PDL 98/2023, que já tinha sido aprovado na Câmara e que revogava trechos de decretos presidenciais que desfiguravam o Novo Marco do Saneamento. O texto saiu de pauta graças a um acordo pelo qual o governo se comprometia a editar novos decretos em substituição aos anteriores, e teve a anuência do líder da oposição no Senado, Rogério Marinho (PL-RN) e do senador Confúcio Moura (MDB-RO), presidente da Comissão de Infraestrutura da casa e relator do PDL 98.

A bem da verdade, este era um caso em que o mesmo fim poderia ser atingido por meios diferentes. Fosse pela aprovação do PDL 98, fosse por um recuo do governo com a edição de novos decretos, o que importava era preservar o espírito do Marco do Saneamento: o de estimular a entrada e o investimento do setor privado, de afastar as empresas comprovadamente ineficientes e de promover uma autêntica competição que finalmente eliminasse a vergonha nacional que consiste em ter metade da população do país sem esgoto tratado, e um em cada seis brasileiros sem acesso a água tratada. Os decretos publicados por Lula em abril negavam completamente esses objetivos. O problema é que os novos textos, publicados no Diário Oficial da última quinta-feira, dia 13, também não são completamente satisfatórios.

O recuo ma non troppo do governo nos decretos do saneamento não ilude ninguém: o petismo é contrário ao Novo Marco e não desistirá de derrubá-lo ou de desfigurá-lo quando tiver a chance

Em um ponto importantíssimo a pressão dos congressistas teve resultado positivo: os novos decretos já não preveem a dispensa de licitação para os “contratos de programa”, pelos quais empresas estatais poderiam seguir oferecendo o serviço de água e esgoto em regiões metropolitanas, aglomerações urbanas ou microrregiões. No entanto, um outro trecho dos decretos de abril acabou mantido, dando uma nova chance a empresas que já não foram capazes, no passado, de demonstrar ter as condições de expandir seus serviços de modo a se atingir a universalização pretendida até 2033. Essas empresas, que na prática estão irregulares e cobrem 1,1 mil municípios brasileiros, terão até o fim do ano para enviar a documentação que comprove sua capacidade econômico-financeira. Além disso, estatais municipais ainda poderão manter contratos sem licitação caso façam parte da estrutura administrativa da prefeitura. Por fim, Lula ainda insistiu no fim do limite de 25% para que estados façam parcerias público-privadas; isso permite que estatais mantenham seus contratos com prefeituras, apenas terceirizando o serviço à iniciativa privada.

Os decretos anteriores eram tão ruins que, diante dos novos textos, até existe a possibilidade de enxergar o copo meio cheio, mas a permanência de alguns acenos a estatais ineficientes ainda é bastante preocupante e reveladora da escala de valores do petismo. O partido, agarrado ao estatismo, tanto por convicções jurássicas sobre o papel do Estado quanto pela oportunidade que toda estatal oferece, de troca de cargos por apoio político, reluta ao máximo em estabelecer um ambiente de competição que permita a entrada de investimento privado em quantidade suficiente para que a meta de universalização se torne factível. A mensagem enviada pelo governo com os novos decretos ainda é mais favorável às estatais, incluindo as ineficientes, que ao setor privado.

O recuo ma non troppo do governo nos decretos do saneamento não ilude ninguém: o petismo é contrário ao Novo Marco e não desistirá de derrubá-lo ou de desfigurá-lo quando tiver a chance. Quando ainda era oposição, foi derrotado no Supremo Tribunal Federal; agora, que tem a caneta do Executivo e vai ficando mais confortável no Congresso, está percebendo que a sutileza vale mais que um embate frontal. Enquanto isso, os milhões de brasileiros que convivem com esgotos a céu aberto e bebem água não tratada continuam esperando por um serviço decente, que lhes garanta um direito básico, característico de qualquer nação que se pretenda minimamente desenvolvida.

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