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GSI 8 de janeiro
Gravações do circuito de segurança do Palácio do Planalto mostram ministro Gonçalves Dias (de camiseta azul e jaqueta escura) e agentes do GSI em meio a invasores no 8 de janeiro.| Foto: CNN Brasil/reprodução

No início de fevereiro, o Gabinete de Segurança Institucional (GSI) do governo federal tomou a decisão de impor sigilo sobre a íntegra das imagens feitas por câmeras de segurança do Palácio do Planalto durante a invasão da sede do Poder Executivo, em 8 de janeiro. A alegação era a de que isso traria “prejuízos e vulnerabilidades para a atividade de segurança das instalações presidenciais”, por mais que as imagens fossem elemento essencial para que o Brasil soubesse exatamente como se deu a invasão, quem participou dela e o que cada pessoa fez uma vez dentro do Planalto, e se teria havido alguma omissão dos responsáveis pela segurança. Dois meses e meio depois, a divulgação dessas imagens, obtidas pelo canal de televisão CNN Brasil, permite no mínimo lançar sérias dúvidas sobre as reais motivações do sigilo e mostra que a abertura de uma nova frente de investigação, por meio de uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, é imprescindível e inadiável.

As imagens feitas por 22 câmeras, somando cerca de 160 horas, mostram, em primeiro lugar, que os agentes do GSI não se empenharam para conter a invasão do Planalto: viaturas deixaram o local, homens que formavam barreiras de segurança recuaram e vários outros agentes também deixaram seus postos. Já com os invasores dentro do prédio, agentes orientam para onde os manifestantes deveriam ir, oferecem-lhes água, mostram a saída, tudo sem nenhum tipo de animosidade entre quem invadiu e quem tinha a obrigação de defender o Planalto – e, neste último grupo, estava o próprio general da reserva Gonçalves Dias, então ministro-chefe do GSI, visto em várias das imagens obtidas pela CNN.

Já não havia nenhum motivo razoável para que não houvesse CPMI do 8 de janeiro; agora, nem mesmo clima político existe para insistir em empurrar o tema para debaixo dos tapetes do Congresso

Gonçalves Dias, é preciso lembrar, não é nenhum Juscelino Filho, alguém que tenha sido guindado ao primeiro escalão por conveniências políticas de construção de base parlamentar. O general é próximo e conhecido de longa data do presidente Lula. Ainda militar da ativa, fez parte da segurança presidencial durante a primeira passagem do petista pela Presidência da República; sob Dilma Rousseff, foi chefe da Coordenadoria de Segurança Institucional; em 2022, fez a segurança de Lula durante a campanha eleitoral, assumindo o GSI em janeiro, empossado ao lado de todo o ministério. Apesar de ter alegado, em sua defesa, que não fez nada de errado e agiu com a intenção de preservar o terceiro e o quarto andares do Planalto, Gonçalves Dias pediu demissão horas depois da divulgação das imagens pela CNN – informações de bastidores da Casa Civil afirmam que ele teria sido pressionado a tomar a iniciativa de sair, com o objetivo de poupar Lula do constrangimento de mandar embora alguém que contava com a sua total confiança.

A possibilidade de omissão das autoridades federais é algo que surgiu já nos primeiros dias após a invasão, graças à informação de que a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) teria avisado vários órgãos dos governos federal e distrital sobre a possibilidade de atos violentos em 8 de janeiro. No entanto, os únicos a sofrerem algum tipo de responsabilização foram o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, afastado do cargo por ordem de Alexandre de Moraes e depois reinstalado no governo; e o seu ex-secretário de Segurança Anderson Torres, que segue preso. As autoridades federais vinham escapando do escrutínio, um dos motivos que já faziam da CPMI algo bastante necessário, a ponto de os autores do requerimento de instalação terem conseguido assinaturas em número bem maior que o mínimo exigido constitucionalmente para a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito.

O governo federal, ironicamente, vinha fazendo de tudo para minar a investigação de um fato de extrema gravidade e do qual ele era a principal vítima. E Rodrigo Pacheco, o presidente do Senado e do Congresso, entre cumprir a Constituição e fazer as vontades de Lula, escolheu a segunda opção, comportando-se mais como líder do governo que como presidente de casa legislativa ao adiar três vezes a sessão conjunta do Congresso na qual seria lido o requerimento de instalação da CPMI. As imagens de Gonçalves Dias e de outros agentes do GSI durante o 8 de janeiro, no entanto, tornam ainda mais insustentável a recusa de Pacheco. Já não havia nenhum motivo razoável para que não houvesse CPMI; agora, nem mesmo clima político existe para insistir em empurrar o tema para debaixo dos tapetes do Congresso.

Tanto não há clima que agora, contrariando o discurso inicial, até o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT-CE), disse apoiar a investigação, e o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirma que a CPMI não atrapalharia o andamento de assuntos de interesse do governo no Congresso. A estratégia não é difícil de perceber: se remar contra a CPMI tornou-se tarefa impossível, melhor aderir para tentar controlar a narrativa – o que vários petistas, inclusive Guimarães, já estão tentando fazer ao insinuar que os agentes do GSI filmados eram remanescentes do período de Jair Bolsonaro. “De investigação e comissão de inquérito nós entendemos”, disse o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), outro que mudou de opinião. É aqui que mora o perigo: a CPMI continua sendo extremamente necessária, e justamente por isso é preciso tomar cuidado para que ela não acabe aparelhada e inutilizada por quem não deseja que toda a verdade venha à tona.

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