Lá se vão 35 anos desde a instalação da região metropolitana de Curitiba (RMC). Neste tempo, a capital deixou para trás a paisagem de paralelepípedos cinzentos e das enchentes de meter medo, dando lugar ao urbanismo arrojado e de referência. Já não se pode dizer o mesmo das vizinhas de cercadinho, com as quais formou um consórcio desigual. À exceção de Araucária, São José dos Pinhais, Campo Largo e mais recentemente da emergente Fazenda Rio Grande , a gigantesca RMC se consolidou como endereço onde os problemas de Curitiba passam a noite, da favelização à violência, da falta de leitos nos hospitais aos baixos índices de desenvolvimento humano.
As cidades da beira de Curitiba quem diria se tornaram sinônimo do maior dos males modernos: o crescimento sem desenvolvimento, o urbano convivendo com o antiurbano. Nada sobrevive aos estragos causados por índices de crescimento que chegaram a 8% ao ano. Nem o mito da cidade modelo, que tem uma crise de labirintite a cada dado comparativo com os municípios mais distantes da RMC como mostrou recente reportagem da Gazeta do Povo.
Para muitos especialistas, a absoluta falta de identidade entre as cidades participantes do conglomerado fazem da região metropolitana uma anomalia sem precedentes. Em tese, um curitibano tem mais a ver com um morador de Nova Jersey, nos Estados Unidos, do que com um conterrâneo de Doutor Ulysses ou Tunas do Paraná. A culpa do mal-entendido seria das agregações motivadas mais por jogos políticos do que pelo senso de realidade. É só calcular: ao todo, a região metropolitana soma 26 municípios, mas apenas 14 integram o Primeiro Anel, nome dado à área onde estão as cidades com maior número de trocas com a capital, a exemplo de Colombo e Almirante Tamandaré. Fora desse círculo, a gestão metropolitana vira uma abstração. Vida escolar, instalações sanitárias e o que mais se deseje: os desempenhos de um e outro são em passo de duelo um para cada lado. Mas está feito e agora é que são elas.
Um bom aquecimento seria responder por que Curitiba não conseguiu estender às vizinhas de divisa parte das conquistas sociais e urbanas que a transformaram num estudo de caso internacional. Há hipóteses. Parte dos descaminhos da RMC está no modelo municipalista uma praga comparável às saúvas e ao "jeitinho brasileiro". Tão forte é o espírito "forte apache" que nem o fato de em pelo menos uma dezena de pontos Curitiba se confundir às cidades mais próximas demove a resistência dos gestores públicos em arrumar a casa. A busca por modelos de gerenciamento compartilhado gera urticárias político-partidárias. De resto, deduz-se.
É verdade que os entraves são muitos. A legislação brasileira diz pouco sobre o gerenciamento intermunicipal. E faltam de fato modelos nacionais em que se espelhar, de modo que as regiões metropolitanas para além das passagens de ônibus barateadas e coleta de lixo minimamente civilizada seriam ainda uma utopia. Por fim, há a cultura política da competição, em detrimento do cooperativismo. O estrago só não é maior porque há boas cabeças pensantes pesquisando meios para que cidades próximas sejam também cidades parceiras. É preciso dar voz a essa gente.
Para os bons entendedores, integração é sinônimo de riqueza e riqueza não vem junto com a frente fria da Argentina, o que não seria má ideia. Resta a saída de tornar pública a necessidade da gestão partilhada, transformando-a num prato do dia para o cidadão comum. Dados preliminares reunidos pela Comec, órgão do estado responsável pela gestão metropolitana e pela Secretaria Municipal de Assuntos Metropolitanos ajudam. Eles dão conta da complexidade do projeto que reúne áreas tão díspares quanto a problemática Itaperuçu e a histórica Lapa. Em vez de choque, as diferenças abrem janelas. Em 15.450 km2 de área há microclimas e vegetações que vão de culturas do calor como o plantio de frutas cítricas às friorentas maçãs. Essa variedade toda serve de inspiração: a RMC é o desconhecido em plena era globalizada.
Caso a sedução da diversidade não seja o bastante, pode-se arriscar que a integração da RMC virá quando a água bater nos fundilhos. E já se aproxima o dia. Forçosamente, os gestores dos 26 municípios, ou aos que diretamente interessar possa, vão ter de sentar à mesa para algo mais do que diplomacia e cafezinho. Urge a gestão do lixo, da água, da saúde. Impera a necessidade de sarar as marcas da violência na região metropolitana. Assim fosse, o próprio projeto do metrô tão confortavelmente curitibano mudaria de perfil.
Entre idas e vindas, 200 mil moradores da região circulam entre cidades diferentes, mas principalmente rumo à capital, onde se concentra 68% dos empregos formais da RMC, de acordo com o Observatório das Metrópoles. O que esse povo vê da janela dos ônibus do Sistema Integrado são sinais dos piores indicadores sociais do Centro-Sul do país, mas também indícios de que os ricos e os pobres desses rincões têm um pacto de sangue: em tudo dependem.



