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A pouca inclinação para o diálogo entre os congressistas norte-americanos já afeta os serviços públicos e pode danificar a economia mundial

Congressistas democratas e republicanos ainda não conseguiram chegar a um acordo para destravar o chamado shutdown, situação em que diversos departamentos e serviços oferecidos pelo governo norte-americano deixam de funcionar. Sem um acordo para bancar os salários de todos os funcionários públicos federais até a virada do "ano fiscal", que ocorreu em 1.º de outubro, só aqueles que exercem funções absolutamente essenciais seguem trabalhando – os demais estão em uma espécie de férias forçadas não remuneradas, ou até mesmo exercendo suas funções, mas sem receber.

À medida que o tempo passar, no entanto, o shutdown pode se tornar o menor dos problemas dos congressistas e do presidente Barack Obama. Na próxima semana, estima-se que o governo norte-americano atingirá seu limite de endividamento, que hoje é de US$ 16,4 trilhões. Para seguir tomando dinheiro emprestado, Obama precisa da autorização do Congresso; do contrário, será preciso escolher que compromissos honrar, entre os vários pagamentos exigidos da Casa Branca, como juros da dívida ou aposentadorias. A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD), entidade que reúne os países considerados desenvolvidos, já avisou que um calote norte-americano poderia desestabilizar a economia mundial. Situação semelhante, em agosto de 2011, foi resolvida apenas no último minuto.

O principal problema é que, até agora, os deputados e senadores norte-americanos passaram muito mais tempo culpando uns aos outros pelo impasse que negociando uma solução. Só na quinta-feira finalmente houve um encontro entre o presidente Obama e líderes republicanos, que ontem apresentaram uma proposta para aumentar o limite de endividamento por apenas seis semanas, dando mais tempo para se discutir as "questões de fundo" – leia-se o "Obamacare", o plano de reforma do sistema nacional de saúde aprovado pelo Congresso em 2009, sancionado por Obama em 2010 e que começou a funcionar recentemente. Os republicanos, contrários ao plano, queriam adiar sua entrada em vigor, já que aparentemente descobriram que será impossível derrubá-lo completamente. A ameaça de shutdown e de calote pareceu a oportunidade ideal para tentar torcer o braço de Obama nesse sentido.

Os Estados Unidos nunca deram calote em sua dívida, mas já viveram alguns shutdowns, o último deles no fim de 1995 e início de 1996, durante o governo de Bill Clinton – um presidente democrata que tinha de lidar com uma maioria republicana na Câmara dos Representantes, a mesma situação pela qual Obama passa agora. A diferença é que, duas décadas atrás, os políticos norte-americanos tinham um perfil mais inclinado ao diálogo; mas, hoje, os extremistas parecem estar no comando, e isso graças a características peculiares do sistema eleitoral norte-americano.

Os EUA adotam o sistema distrital puro: cada deputado, estadual ou federal, representa um território com um certo número de eleitores. Periodicamente, as fronteiras entre distritos são redesenhadas – o problema é que os encarregados de fazê-lo são os próprios parlamentares. Por isso, é comum a criação de distritos "homogeneizados" do ponto de vista étnico, etário ou de outras características que assegurem um domínio permanente de um dos dois partidos. Quando chega a hora de tentar a reeleição, o representante daquele distrito não precisa temer um adversário de outro partido, pois o eleitorado já está majoritariamente "dominado"; mas ele pode ter de enfrentar primárias dentro de sua legenda. E, nesses casos, os eleitores costumam entregar a candidatura àquele que apresentar as posições mais extremistas – é justamente esse o fenômeno que catapultou o Tea Party, a ala mais radical dos republicanos.

O que o mundo espera é que mesmo os extremistas tenham um mínimo de bom senso e evitem a catástrofe financeira, ainda que seja apenas para não manchar suas biografias como membros da primeira legislatura a permitir um calote daquela que era considerada a mais sólida economia mundial. E que ambos os partidos e o eleitorado norte-americano percebam o dano que pode ocorrer quando os rumos de seu país são entregues a políticos com pouca inclinação para o diálogo.

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