
Em junho, durante a votação do projeto de decreto legislativo que derrubou um aumento abusivo do IOF, cerca de 100 deputados governistas não recearam uma eventual impopularidade ao serem vistos como defensores da elevação de impostos – a lealdade a qualquer bobagem vinda do governo Lula falou mais alto naquela ocasião. Mas, quando se trata de chegar à eleição de 2026 carregando a pecha de ter se oposto a uma redução de impostos para os mais pobres, nenhum, absolutamente nenhum deputado teve a coragem de apontar o que realmente estava em curso na votação do projeto que isentava de Imposto de Renda os brasileiros que ganham até R$ 5 mil mensais: populismo puro, travestido de justiça tributária.
Dos 493 votos favoráveis ao projeto – os demais deputados estavam ausentes; o presidente da Câmara, Hugo Motta, não votou –, o PL contribuiu com 82; União Brasil e PP, que acabaram de desembarcar do governo, com 57 e 48, respectivamente; o Novo, com 5. Cálculo político, sem dúvida; mas esses parlamentares não terão muito do que se gabar (afinal, todos os demais também votaram “sim”), apenas evitando o desgaste que viria com um voto contrário; o verdadeiro vencedor, este sim, é Lula, cujo governo enviou a proposta ao Congresso, e que poderá dizer, nos palanques, que cumpriu uma promessa de campanha, já que a aprovação no Senado deve ser tão tranquila quanto na Câmara.
Nenhum deputado teve a coragem de apontar que isenção de Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil mensais é populismo travestido de justiça tributária
Mas o que haveria de tão reprovável na proposta? Ela não reduz – chegando perto de eliminar – a vergonhosa defesagem na tabela do Imposto de Renda para partes das classes C e D? De fato, o projeto aprovado na Câmara tem esse mérito. Mas, além de não trazer mudanças para as outras faixas de renda (punindo a classe média, e não apenas os “super-ricos”, como diz a propaganda petista), não garante que a tabela continuará a ser atualizada nos próximos anos – o Novo até sugeriu uma emenda neste sentido, mas ela foi recusada pelo relator Arthur Lira, e Motta impediu que ela fosse votada em plenário.
A tabela do IR já passou quase dez anos sem reajustes e, a julgar pelo ritmo com que o governo petista produz inflação, não haverá de demorar muito para qualquer ganho atual ser comido pela perda do poder de compra do brasileiro no médio prazo. Resumindo: em vez de autêntica justiça tributária, com a correção ampla de uma defasagem que eleva a carga tributária anualmente e a introdução de mecanismos que impeçam novas perdas no futuro, temos um populismo imediatista que mira um grupo cuja desaprovação a Lula vinha crescendo.
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E não há justiça tributária nem mesmo no mecanismo que o governo escolheu – e que 493 deputados endossaram – para se exibir à sociedade, afirmando que estaria finalmente fazendo os “super-ricos” pagarem. O empreendedor ou profissional liberal que tira seu sustento do rendimento de uma empresa já paga uma carga altíssima, que supera os 30% quando se considera a soma do Imposto de Renda Pessoa Jurídica e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) – entidades do setor produtivo, como a Federação das Indústrias do Estado do Paraná (Fiep), afirmam que a tributação total sobre lucro empresarial poderia ultrapassar os 40%, tornando-se a maior do mundo. Apesar do redutor inserido no projeto de lei, tributaristas afirmam que as regras se tornarão mais confusas, criando insegurança jurídica (e brechas que o governo poderá aproveitar para arrecadar mais) e, consequentemente, afugentando investimentos. Enquanto isso, um festival de privilégios, auxílios e retroativos caríssimos, especialmente no topo dos três poderes, continua intocado.
Assusta-nos que ninguém na Câmara tenha tido a coragem de apontar todos esses problemas com clareza e lucidez para justificar um voto contrário, preferindo esconder-se na unanimidade e evitar o ônus de ser apontado como “contrário à redução de impostos para os mais pobres”. Com todos a bordo do trem populista, o país continua carecendo de projetos que proporcionem verdadeira justiça tributária; o brasileiro em breve deve conviver com a maior tributação sobre produção e consumo do mundo – tributação essa que onera especialmente os mais pobres –, enquanto tem de se contentar com algumas isenções atiradas por um governo e um parlamento que já começam a enxergar tudo como uma antecipação de outubro de 2026.



