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 | Waldemir Barreto/Agência Senado
| Foto: Waldemir Barreto/Agência Senado

Assim como no futebol, em que existe uma “janela de transferência” dentro da qual os jogadores podem ser negociados entre clubes, o Congresso brasileiro também tem sua “janela” onde parlamentares podem trocar de legenda livremente, sem alegar nenhum dos motivos que, em outras circunstâncias, seriam exigidos para justificar uma mudança de partido e sem os quais o parlamentar estaria sujeito à perda do mandato.

A novidade foi introduzida pela Lei 13.165/2015, que alterou a Lei dos Partidos Políticos, de 1995. Este texto define que “perderá o mandato o detentor de cargo eletivo que se desfiliar, sem justa causa, do partido pelo qual foi eleito”, mas faz três ressalvas: “Consideram-se justa causa para a desfiliação partidária somente as seguintes hipóteses: I – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário; II – grave discriminação política pessoal; III – mudança de partido efetuada durante o período de trinta dias que antecede o prazo de filiação exigido em lei para concorrer à eleição, majoritária ou proporcional, ao término do mandato vigente”. E decisões judiciais também incluem a criação, fusão ou incorporação de partidos como razões para um parlamentar trocar de legenda sem punição.

O que está em jogo, claro, é a articulação para a disputa das eleições de outubro

No emaranhado partidário do Brasil de hoje, só alguns poucos partidos podem se orgulhar de ter um programa partidário digno do nome; todos os demais são ideologicamente amorfos, moldando suas “convicções”, se assim podemos chamá-las, de acordo com as conveniências e com as oportunidades, especialmente se houver a possibilidade de conseguir um cargo aqui, outro lá. Assim, não seria difícil torcer suficientemente o primeiro item do texto legal para justificar uma mudança de partido, mas nestes 30 dias iniciados na quinta-feira – o período descrito no item III – nem isso será necessário. A migração está liberada sem restrição alguma.

O que está em jogo, claro, é a articulação para a disputa das eleições de outubro. Do ponto de vista dos partidos, mais parlamentares significam mais tempo de televisão e mais chances de eleger uma bancada substancial, que por sua vez renderá uma parte maior daqueles dois absurdos, o Fundo Partidário e o novo fundo eleitoral. Já os parlamentares buscarão a legenda que lhes dê maior chance de sucesso na disputa de outubro, seja em termos de financiamento de campanha, seja em termos de uma rede de apoio na busca por um cargo majoritário.

Nossas convicções:O significado da representação política

Leia também:República dos políticos (artigo de Demétrio Magnoli, publicado em 4 de junho de 2015)

O troca-troca partidário não deixa de ser uma agressão à representação política da maneira como foi desenhada no Brasil, em que os partidos são atores fundamentais. O princípio da fidelidade partidária nos cargos de eleição proporcional tem sido defendido por todos os tribunais superiores há mais de uma década. Em 2007, o STF reafirmou decisão do TSE que previa a perda de mandato no caso de infidelidade, e na ocasião o ministro Celso de Mello lembrou que a mudança de partido sem razão grave fraudava a vontade do eleitor e prejudicava a representação dos partidos. De fato, deputados são eleitos com a ajuda dos votos dados aos companheiros de chapa e aos votos de legenda, mas tudo isso de nada vale nestes 30 dias. Com a Lei 13.165, os parlamentares conseguiram um modo de burlar o entendimento dos tribunais, criando um período de “anistia” e de vale-tudo em que o desejo do eleitor – que, lembremos, não vota apenas em um candidato, mas também na legenda a que ele é filiado – é ignorada em prol de negociatas e conveniências políticas.

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