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A Constituição cubana, que está em vigor desde 2016, vai mudar. A Assembleia Nacional aprovou uma nova carta que será submetida a consulta popular entre agosto e novembro, com um referendo para sacramentar a mudança. Mas, para quem espera grandes mudanças e liberdade para o povo, o texto deixa claro que o novo governante cubano, Miguel Díaz-Canel, tomou para si a máxima do príncipe de Falconieri, o autor da mais famosa frase de O Leopardo, de Giuseppe Tommasi di Lampedusa: as coisas têm de mudar para ficarem como estão.

Nem mesmo o reconhecimento da propriedade e da iniciativa privada como partes integrantes da economia surpreende. Trata-se apenas do mero reconhecimento legal daquilo que já é realidade na ilha desde que o ditador Raúl Castro se rendeu à realidade nesse aspecto e liberou empreendimentos privados, há dez anos. Mas o novo texto está longe de reconhecer algum tipo de protagonismo à iniciativa privada: a maior parte da economia continua sob a mão de ferro do Estado cubano, que continua a trabalhar para a construção do socialismo na ilha – a referência à “sociedade comunista”, presente na Constituição de 1976, será retirada, mas a essa altura a terminologia pouco importa, já que a renúncia ao “comunismo” não aliviará em nada a situação da população, que seguirá escravizada pelo partido da mesma forma.

Não ver que o socialismo é, em sua essência, ditatorial e totalitário é uma cegueira difícil de superar

Tampouco a divisão de poder entre um presidente – com mandato de cinco anos e uma única reeleição – e um primeiro-ministro indica qualquer tipo de distensão política. Afinal, ambos seguirão saindo das fileiras do Partido Comunista Cubano, ainda comandado por Raúl Castro. Na nova Constituição, o PCC continua a ser a única força política do país. Ou seja: nada de abertura política, nada de pluripartidarismo, nada de liberdades individuais, de imprensa ou de associação. As mudanças sobre as quais a população será chamada a opinar (naquele sistema, comum aos países socialistas, onde se é apenas livre para concordar) ou são meramente cosméticas, ou são casos em que a lei se adapta à realidade.

Enquanto isso, a Nicarágua continua a sangrar com a violenta repressão do ditador Daniel Ortega aos protestos que pedem sua saída do poder. O ex-guerrilheiro sandinista recusou os pedidos da comunidade internacional para que adiante as eleições presidenciais que só deverão ocorrer em 2021, e sonha em eternizar a si e sua família no poder, como fizeram os Castro por décadas em Cuba. Ainda por cima, alega que, se há violência, ela é promovida por paramilitares sobre os quais o governo não teria controle algum.

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Especialmente violenta tem sido a agressão contra as igrejas, desde que os bispos católicos se juntaram aos protestos. A repressão não poupa o interior dos templos, e dois estudantes foram mortos dentro de uma igreja na capital, Manágua. Quase 40 anos atrás, setores da Igreja Católica apoiaram a revolução sandinista da qual Ortega fazia parte; um dos ministros sandinistas do início da década de 80, o padre Ernesto Cardenal, rompeu com o movimento nos anos 90 e tornou-se uma vítima do regime atual, sendo condenado pela Justiça ao pagamento de uma multa milionária.

Quando se manifesta publicamente, no entanto, Cardenal trata Ortega como alguém que “se desviou dos ideais da revolução”. Assim são descritos quase todos os líderes socialistas que se tornam déspotas em seus países: pessoas más (ou que começaram boas, mas se corromperam) que se aproveitaram das melhores intenções dos revolucionários, e já não representam o “ideal” – esse, sim, permaneceria imaculado, dissociado dos atos de um Castro, um Chávez, um Maduro, um Stálin, um Pol Pot, um Mao, um Ceaucescu, um Ortega. Não ver que o socialismo é, em sua essência, ditatorial e totalitário, e inevitavelmente termina em tirania, sacrificando o povo, é uma cegueira difícil de superar.

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