Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo
Editorial

Como Lula azedou as relações entre Brasil e Israel

Celso Amorim e Lula israel
O presidente Lula ao lado de seu principal conselheiro em assuntos internacionais, o assessor especial Celso Amorim. (Foto: Fábio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil)

Brasil e Israel desceram mais alguns níveis nos últimos dias, em uma relação diplomática que já vinha azedando havia muito tempo. Em 20 de agosto, o chanceler de facto Celso Amorim confirmou, durante audiência no Congresso, que o Brasil não concederia o agrément (permissão, no jargão diplomático) a Gali Dagan, embaixador indicado por Israel para representar o país em Brasília. Uma semana depois, Tel-Aviv desistiu da indicação e anunciou que conduziria relações em “um nível diplomático inferior”; no dia seguinte, o ministro da Defesa e ex-chanceler israelense, Israel Katz, chamou o presidente Lula de “antissemita declarado e apoiador do Hamas”, levando o Itamaraty a responder com uma nota chamando de “ofensas, inverdades e grosserias inaceitáveis” as afirmações do ministro. Uma crise que Lula e Amorim poderiam ter evitado, se não estivessem tão cegos pela ideologia.

Nunca é demais lembrar que, embora já houvesse um certo estremecimento entre os países após a barbárie terrorista cometida pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, o grande ponto de inflexão veio meses depois, quando, em fevereiro de 2024, Lula fez uma comparação grotesca: “O que está acontecendo na Faixa de Gaza não existe em nenhum outro momento histórico – aliás, existiu quando Hitler resolveu matar os judeus”, disse, durante vista à Etiópia. Apesar da justa indignação que a fala despertou, Amorim logo veio a público garantir que Lula não se retrataria. Dali em diante, o petista simplesmente manteve o curso, assinando uma ação apresentada pela África do Sul no Tribunal Internacional de Justiça, acusando Israel de genocídio, e retirando o Brasil da Aliança Internacional para a Memória do Holocausto – essas atitudes foram citadas por Katz na mensagem de terça-feira.

Mesmo descontando exageros do ministro Israel Katz, não há como negar que Lula e Celso Amorim têm muito mais responsabilidade na deterioração das relações entre Brasil e Israel

Questionamentos sobre a forma como Israel conduz a ofensiva na Faixa de Gaza e são perfeitamente legítimos, e o governo de Benjamin Netanyahu erra a mão quando abusa da carta do “antissemitismo”, acusando quem faz críticas razoáveis. Há episódios que merecem investigação bastante criteriosa – um deles ocorrido nesta semana, quando um bombardeio a um hospital deixou 20 mortos no sul da Faixa de Gaza – e que podem configurar crimes de guerra. O próprio sabão público passado por Katz (então chanceler de Israel) no embaixador brasileiro Frederico Meyer, após a comparação abjeta feita por Lula, não cumpriu a praxe diplomática, pela qual o embaixador ouviria as reclamações israelenses na chancelaria, de forma privada – ainda que os brasileiros tenham exagerado na reação ao episódio. Ao que tudo indica, por fim, Israel planeja uma ocupação de longo prazo em Gaza, acabando com as perspectivas de uma solução de dois Estados – outra plataforma cuja defesa tem bons argumentos.

O Brasil poderia ter feito todas essas críticas e defesas sem tomar o lado dos inimigos de Israel, aqueles que desejam o extermínio do Estado judeu e que usam estruturas civis em Gaza para fins militares, transformando a população palestina em escudo humano. É o que fazem várias nações europeias, que manifestam publicamente suas reservas à forma como a contraofensiva israelense vem sendo feita, e até anunciam o reconhecimento de um Estado palestino, sem com isso criar crises diplomáticas como a que há hoje entre Israel e o Brasil – até porque essas mesmas nações também estiveram entre as primeiras a condenar o horror terrorista do Hamas; não deixaram de expressar solidariedade a Israel em episódios posteriores, como os ataques diretos lançados pelo Irã; e inclusive apoiaram a decisão recente de Tel-Aviv de atacar instalações nucleares iranianas. Lula, por sua vez, não fez nada disso, preferindo solidarizar-se com o Irã, seu aliado nos Brics.

VEJA TAMBÉM:

E nem se pode mais dizer que a crise poderia ter sido evitada se Lula tivesse freado sua língua e deixado o assunto para os adultos – no caso, os diplomatas do Itamaraty. Infelizmente, a chancelaria brasileira já foi tão contaminada pela “doutrina Lula-Amorim” de relações exteriores que até suas notas perderam o equilíbrio de outrora. O primeiro comunicado após o 7 de outubro nem sequer usava o termo “terrorismo”; em ao menos três casos de brasileiros vítimas do Hamas, a chancelaria usou os neutros “morte” e “falecimento”, em vez do mais certeiro “assassinato”; no primeiro ataque iraniano a Israel, em abril de 2024, o Itamaraty disse acompanhar, “com grave preocupação, relatos de envio de drones e mísseis do Irã em direção a Israel”, sem condenar o ataque – que era um fato, e não meros “relatos”. Quando a situação se inverte, no entanto, o Ministério das Relações Exteriores não economiza em “veementes condenações” e “repúdios”.

Mesmo descontando eventuais exageros de Katz, um dos membros mais sem papas na língua do gabinete de Netanyahu, não há como negar que Lula e Amorim têm muito mais responsabilidade na deterioração das relações entre Brasil e Israel. Assim como faz com os Estados Unidos, a dupla brasileira aposta na terra arrasada para depois se fazer de vítima e ter argumentos para cair nos braços de russos, chineses, iranianos e quem mais quiser se juntar ao tal “Sul global”, hoje representado pelo clubinho de autocracias que atende pelo nome de Brics. Katz terminou sua mensagem no X afirmando que “dias melhores ainda virão para a relação entre nossos países”, mas é difícil esperar algo assim enquanto Lula e Amorim derem as cartas na política externa brasileira.

Principais Manchetes

Receba nossas notícias NO CELULAR

WhatsappTelegram

WHATSAPP: As regras de privacidade dos grupos são definidas pelo WhatsApp. Ao entrar, seu número pode ser visto por outros integrantes do grupo.