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Em meio às festividades promovidas pelo russo Vladimir Putin, que reuniu ditadores na Rússia, Luiz Inácio Lula da Silva, um dos convidados, declarou que “não tem pressa” para esclarecer o bilionário escândalo dos descontos indevidos nos benefícios de aposentados do INSS. Para o petista, aliás, parece não haver mais nada a investigar – ao menos nada que possa envolver seu governo.
Segundo Lula, a Controladoria-Geral da União (CGU) e a Polícia Federal “foram a fundo para chegar ao coração da quadrilha” durante a investigação do esquema, sem fazer “show de pirotecnia”, e “conseguiram desmontar uma quadrilha que estava montada desde 2019 nesse país”. Na narrativa petista, se houve algum governo que facilitou a fraude no INSS, foi apenas o de Jair Bolsonaro – Lula e o PT não teriam qualquer responsabilidade. Dizendo-se “revoltado” com o “assalto” aos aposentados, Lula afirma que irá fundo para “saber quem é quem nesse jogo e se tinha alguém do governo passado envolvido nisso. Não tenho pressa”, ressaltou.
A tentativa de Lula de terceirizar a culpa das fraudes no INSS, alegando não ter pressa em apurar o caso, apenas reforça a urgência de uma apuração séria, profunda e imparcial
Culpar Bolsonaro por todos os males do país, como Lula faz desde que reassumiu o poder, já não convence, especialmente no caso das fraudes no INSS. Lula tenta transferir a responsabilidade ao governo anterior, mas omite que os repasses às associações suspeitas de fraude cresceram exponencialmente nos dois primeiros anos de sua gestão: em 2022, final do governo Bolsonaro, o valor repassado era de R$ 706 milhões, subindo para R$ 1,2 bilhão em 2023 e R$ 2,8 bilhões em 2024. Também omite que, desde 2023, havia indícios de fraude já conhecidos, mas nenhuma medida foi tomada para impedir que o “assalto”, como o próprio Lula definiu, continuasse.
Convenientemente, Lula também deixou de mencionar que o governo anterior tentou criar mecanismos de controle sobre os descontos em folha do INSS, como a exigência de revisão bienal dos descontos em folha de pagamento dos aposentados e a obrigatoriedade de comprovação dos descontos. Esses dispositivos foram revogados por um projeto de lei da esquerda – assinado pelo atual ministro da Previdência, Wolney Queiroz –, aprovado em 2022 no Congresso com apoio de centrais sindicais.
Faltou ao presidente, igualmente, mencionar que algumas das entidades citadas pela Polícia Federal por possível envolvimento nas fraudes têm estreita ligação com o petismo. Uma delas é a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), comandada por Aristides Veras Santos, irmão do deputado federal Carlos Veras (PT-PE). Suas lideranças frequentemente participam de reuniões com o governo – foram oito encontros em 2023, cinco em 2024 e dois em 2025. De acordo com a CGU, a Contag arrecadou R$ 2 bilhões entre 2019 e 2024 por meio de descontos em aposentadorias.
Outra entidade mencionada na Polícia Federal sobre as fraudes no INSS é o Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), que tem como vice-presidente José Ferreira da Silva, conhecido como Frei Chico, irmão do presidente Lula. De 2019 a 2024, o sindicato recebeu R$ 457 milhões, sendo 2024 o ano com mais repasses: R$ 154 milhões, segundo o Portal da Transparência.
Um relatório da CGU divulgado recentemente aponta que a entidade foi responsável por 67.255 novas filiações apenas no mês de julho de 2023 – uma média de 3.202 autorizações processadas por dia útil, número considerado elevado pelo órgão. Coincidentemente, a Contag e o Sindnapi ficaram de fora do bloqueio de bens pedido pela Advocacia-Geral da União (AGU), divulgado na quinta-feira (8), e também foram poupadas dos processos administrativos abertos pelo INSS contra as associações e sindicatos suspeitos de fraude.
Certamente é preciso determinar quando as fraudes começaram, ampliando as investigações até o governo Bolsonaro se necessário. Sem essa informação, é impossível determinar com certeza o tamanho real da fraude e nem os valores que devem ser ressarcidos às vítimas. Mas isso em hipótese alguma afasta a necessidade de se verificar se há e até onde vai a responsabilidade do atual governo no escândalo que dilapidou os benefícios de milhares de aposentados. A tentativa de Lula de terceirizar a culpa das fraudes no INSS, alegando não ter pressa em apurar o caso, apenas reforça a urgência de uma apuração séria, profunda e imparcial. Diante das cifras bilionárias do escândalo, do envolvimento de entidades próximas ao poder e das omissões evidentes, a sociedade precisa de respostas claras e que todos os envolvidos sejam responsabilizados, independentemente de quem sejam. O silêncio ou a morosidade, neste caso, não são neutros – são cúmplices.



