
Para derrotar Jair Bolsonaro em 2022, Lula arregimentou à sua volta uma “frente ampla” recrutada com promessas de responsabilidade fiscal e um governo para todos os brasileiros, superando as feridas da polarização política. Antes mesmo da posse, economistas que “fizeram o L” já estavam pulando do barco, e forças políticas fora da esquerda tiveram de se contentar com alguns prêmios de consolação na formação do ministério. Quem ainda hoje se dá ao trabalho de recordar que Lula foi eleito graças ao apoio dessa “frente ampla”, e que sua votação se deveu mais a uma rejeição a Bolsonaro que ao entusiasmo com o petista, nada mais faz que passar recibo de sua ingenuidade: Lula e o PT nunca deixaram de ver esses apoiadores de 2022 como inocentes úteis (na mais benigna das hipóteses) para ajudá-los a chegar ao poder, mas não para ajudá-los a governar.
Que “união e reconstrução” era só um slogan vazio já se sabia há muito tempo, mas agora Lula resolveu acabar de vez com o fingimento e ressuscitar o bom e velho “nós contra eles”. Pressionado pela queda na popularidade e enfrentando no Congresso Nacional uma oposição muito mais vigorosa que nos seus mandatos anteriores (até porque hoje sabemos muito bem como o apoio parlamentar era conquistado naquele período), a ponto de ter sofrido um tipo de derrota que um presidente da República não amargava desde 1992, Lula partiu de vez para o ataque.
Os marqueteiros do petismo querem convencer os brasileiros de que brigar contra a sanha arrecadatória de Lula é se colocar contra o país
Em seu desespero para conseguir as dezenas de bilhões de reais de que precisa para cumprir uma medíocre meta fiscal, o PT publicou nas mídias sociais um vídeo mostrando o “povo” carregando sacos enormes nas costas, enquanto os “ricos” levam sacos bem menores, em referência ao peso que a tributação tem sobre a renda de quem ganha mais. Que proporcionalmente os mais pobres pagam mais impostos que os mais ricos até é verdadeiro, graças à estrutura tributária regressiva brasileira, que onera demais a produção e o consumo – algo que a reforma tributária, aprovada com apoio do PT, não mudou. Mas o discurso contido no vídeo é o clássico exemplo do discurso petista que acirra a hostilidade de uns grupos contra outros.
O vídeo não faz referência à controvérsia recente sobre o IOF – o único imposto nominalmente mencionado na peça é o Imposto de Renda, com a proposta lulista de isentar quem ganha até R$ 5 mil mensais. Mesmo assim, é impossível indissociar uma coisa de outra, até porque o vídeo defende a “taxação BBB: bilionários, bancos e bets” e, na briga pelo IOF, petistas graúdos como os ministros Fernando Haddad e Gleisi Hoffmann insistiam que a mudança das alíquotas só pegaria “donos de coberturas” ou o “andar de cima”. Não era verdade, evidentemente: o IOF maior encareceria o crédito como um todo, atrapalhando investimentos e sendo repassado para o consumidor final de produtos e serviços quando fosse o caso. Os mais pobres teriam mais peso para carregar.
VEJA TAMBÉM:
Antes mesmo do vídeo, Lula já havia atacado os empresários que se queixavam da estratégia de seguir gastando como nunca e aumentando impostos à medida que o buraco fiscal crescia. No último dia 25 de junho, o presidente disse que os empresários tinham que deixar “interesses individuais de lado” e se perguntou onde estava o “espírito cristão” de quem reclamava dos aumentos de impostos – aproveitando para tentar capturar outro público que tem alta rejeição a Lula, o dos evangélicos. A mensagem, portanto, está posta: quem reclama dos altos impostos não pensa no Brasil, mas apenas em si mesmo – ainda que gere emprego e renda por meio do empreendedorismo –, e deseja que o povo mais pobre continue sendo esfolado. Em resumo, os marqueteiros do petismo querem convencer os brasileiros de que brigar contra a sanha arrecadatória de Lula é se colocar contra o país.
“Quem alimenta o nós contra eles acaba governando contra todos”, advertiu na segunda-feira o presidente da Câmara, Hugo Motta. Lula já conseguiu hostilizar grande parte do Congresso, e agora hostiliza também o setor produtivo em geral (o agronegócio já estava na mira do petista desde sempre). E é improvável que o novo discurso belicoso sirva para conquistar o apoio da população, cuja realidade é menos a da luta de classes e mais a da luta para contornar a inflação persistente. Segundo informações de bastidores, o ministro-marqueteiro Sidônio Palmeira, da Secretaria de Comunicação da Presidência, está pensando em abandonar de vez o “união e reconstrução” e adotar um novo slogan. O novo bordão provavelmente será tão enganoso quanto o atual, mas de fato Lula não está reconstruindo nem unindo nada.



