
Não foi por falta de aviso. Durante a campanha eleitoral, Lula já torpedeava o teto de gastos, que derrubou em parceria com o Congresso Nacional assim que venceu a eleição. No lugar, o petista e seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, propuseram um arcabouço fiscal que previa aumento real da despesa independentemente do desempenho da economia. Em todas essas ocasiões, houve muitos alertas a respeito das consequências fiscais que o desprezo pelo ajuste e o incentivo à gastança teriam. Agora, a bomba está armada, e não há quem consiga convencer Lula e o PT a desarmá-la.
Os efeitos da troca do teto de gastos pelo novo arcabouço, por si só bastante graves, foram potencializados por outra política do governo Lula, que retomou a política de valorização real do salário mínimo. A medida coloca mais dinheiro na economia e estimula o consumo, que é a única forma que o petismo conhece para induzir crescimento, mas também pressiona vários gastos governamentais, a começar pela Previdência – uma das maiores rubricas do Orçamento da União –, passando também por benefícios como o seguro-desemprego e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Os raros integrantes do governo que ousam sugerir algum ajuste fiscal, por mínimo que seja, acabam imediatamente torpedeados por ministros e líderes petistas que agem como porta-vozes informais de Lula
Economistas como Marcos Mendes, do Insper, se dedicaram a calcular o efeito das medidas do governo Lula sobre as contas públicas, em comparação com o que teria acontecido se as regras anteriores tivessem sido mantidas. No caso do ano corrente, a diferença nas despesas teria chegado a R$ 131,6 bilhões, o que transformaria o déficit primário de R$ 9,3 bilhões em superávit primário de R$ 122,3 bilhões, ou 1,1% do PIB – compare-se este resultado hipotético com a enorme dificuldade do governo de conseguir qualquer tipo de superávit primário em 2024 e também em 2025, com direito a alteração da meta. Mais adiante, o resultado inevitável será o colapso do próprio arcabouço.
O mercado financeiro já percebeu essa trajetória e passa a exigir cada vez mais juros para seguir emprestando dinheiro ao Brasil. O ciclo de redução da taxa Selic, iniciado há menos de um ano, corre o risco de parar muito antes do desejável. Os cortes de meio ponto porcentual foram substituídos, na última reunião, por uma redução menor, de 0,25 ponto, e as instituições ouvidas pelo Banco Central semanalmente para a elaboração do Boletim Focus já estimam que a Selic deve terminar o ano em 10,25%, ou seja, até o fim de 2024 haveria apenas um outro corte de 0,25 ponto e nada mais – um mês atrás, o mesmo Boletim Focus registrava uma projeção mediana de Selic a 9,63% no fim do ano, evidenciando a rapidez com que as previsões se deterioraram.
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“Não há, por parte do governo, uma preocupação mínima em adotar medidas que reduzam as despesas”, afirmava nota conjunta de várias confederações do setor produtivo, queixando-se de mais uma medida provisória do governo que pretendia elevar a arrecadação. É uma descrição certeira, mas incompleta: faltou afirmar que os raros integrantes do governo que ousam sugerir algum ajuste fiscal, por mínimo que seja, acabam imediatamente torpedeados por ministros e líderes petistas que agem como porta-vozes informais do próprio Lula. É o caso de Simone Tebet, ministra do Planejamento, cujas sugestões foram rechaçadas pelos ministros da Previdência, Carlos Lupi, e do Trabalho, Luiz Marinho, além da presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann.
Desarmar a bomba orçamentária, no entanto, exigiria bem mais que o que vem sendo ventilado. Seria necessário seguir com as reformas estruturantes, como a administrativa, além de implantar os “três Ds” do ex-ministro Paulo Guedes (desindexar, desvincular e desobrigar) – algo que, é preciso dizer, nem ele conseguiu levar adiante durante o governo de Jair Bolsonaro. Mas, se Lula e o PT resistem até mesmo a ajustes quase cosméticos, qualquer esperança de ajustes dignos do nome pode ser enterrada, para prejuízo de todo o país, que terá de arcar com as consequências inevitáveis da explosão.



