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| Foto: Evaristo Sá/AFP

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello comentou com uma pitada de irresponsabilidade a decisão em que a 8.ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF4) confirmou a sentença que condena o ex-presidente Lula à prisão por corrupção e lavagem de dinheiro. Referindo-se à possibilidade de que Lula vá para a cadeia assim que terminar a análise dos recursos a que a defesa ainda tem direito no TRF4, Mello disse ao jornal O Estado de S.Paulo que “um ato desse poderia incendiar o país”. À Folha de S.Paulo, expressou-se em termos semelhantes: “A prisão do presidente Lula preocuparia a todos em termos de paz social”.

O entendimento atual do STF diz que condenados já podem começar a cumprir sua pena após condenação em segunda instância, o que é o caso de Lula. Os desembargadores João Pedro Gebran Neto, Leandro Paulsen e Victor Laus, em seus votos, deixaram claro que o ex-presidente deveria ir para a cadeia assim que o processo no TRF4 estivesse devidamente encerrado, o que pode ocorrer em poucos meses. Mello, que foi voto vencido no julgamento do STF em outubro de 2016, estaria sugerindo que, em nome de uma suposta “paz social”, seria melhor deixar Lula quieto, ainda que os magistrados que condenaram Lula entendam, dentro da lei, que seria o caso de determinar sua prisão?

É ilusório crer que a população sairia às ruas para defender Lula. Só os “movimentos sociais” o fariam

Que tipo de ameaça à “paz social” e de “incêndio” o ministro do STF teme? De fato, em evento para lançar a candidatura de Lula à Presidência na quinta-feira, vários petistas e líderes de entidades-satélites do petismo defenderam abertamente a desobediência a decisões judiciais. O “general” João Pedro Stédile prometeu colocar seu “exército” à disposição do grande chefão. “Aqui vai um recado para dona Polícia Federal e para o Poder Judiciário: não pensem que vocês mandam no país. Nós, os movimentos populares, não aceitaremos de forma alguma e, impediremos com tudo for possível, que o companheiro Lula seja preso”, bravateou. Promessa semelhante tinha sido feita ainda na quarta-feira por Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto, durante ato em São Paulo.

Ninguém duvida do potencial criminoso do MST, do MTST e de outros grupos, demonstrado em inúmeras ocasiões Brasil afora. Mas, quando Marco Aurélio Mello faz esse tipo de afirmação, admite implicitamente a incapacidade de o Estado brasileiro fazer cumprir as leis, ou, no mínimo, que em certas ocasiões é melhor não fazê-las cumprir. Isso seria a mais pura rendição à chantagem de criminosos; estaríamos em uma anomia em que são os “movimentos sociais” que dão as cartas. Difícil acreditar nisso. O caminho correto é a responsabilização de quem prega a desobediência à Justiça e uma ação firme das forças de segurança caso haja quem esteja disposto a empregar a violência para impedir o cumprimento de uma decisão judicial.

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A capitulação de Marco Aurélio Mello diante dos movimentos sociais é ainda mais incompreensível porque é ilusório crer que a população sairia às ruas para impedir o cumprimento de uma eventual ordem judicial para que Lula seja preso. Se alguém resolver se colocar no caminho da Justiça, serão apenas os petistas e as entidades por eles comandadas, e que contam com o repúdio da maioria dos brasileiros.

Mas há outro caminho para impedir, ou pelo menos adiar, a prisão de Lula: uma reversão no entendimento do STF a respeito do início do cumprimento da pena. O ministro Gilmar Mendes já havia feito declarações de que mudaria seu voto caso o tema voltasse ao plenário do STF, tendo como consequência a reversão da maioria formada em 2016. Ressuscitar ou não a discussão é decisão que cabe à presidente da corte, ministra Cármen Lúcia, que vinha relutando, mas agora deverá sofrer mais pressões para colocar o tema em pauta. O risco que se embute aqui é o da personalização da Justiça: até pouco tempo atrás, os peixes pequenos e médios estavam caindo na rede; agora que chegou a vez dos peixes graúdos, cresce a pressão pela mudança nas regras. Em outras palavras, a aplicação da justiça dependeria da pessoa sentada no banco dos réus. Nesse caso, melhor seria retirarem de vez a venda da estátua da deusa Têmis, que guarda a entrada da suprema corte.

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