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Editorial

Soberba protecionista mantém o Brasil no atraso

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Em vez de negociar com Trump, Lula reagiu com bravatas patrióticas e discursos sobre "soberania nacional". (Foto: Ricardo Stuckert/Presidência da República)

Um recuo de última hora do governo Donald Trump atenuou (mas não muito) o tarifaço imposto pelo presidente norte-americano aos produtos brasileiros. A ordem executiva assinada na quarta-feira, dia 30, confirmou a tarifa padrão de 50%, mas adiou em alguns dias sua entrada em vigor – a tarifa só começará a valer em 6 de agosto, e não mais no dia 1.º – e abriu exceções para centenas de itens em uma lista bastante variada, com produtos como petróleo, aviões de uso civil e suco de laranja. No entanto, por mais relevantes que alguns desses itens sejam no comércio bilateral entre Brasil e Estados Unidos, a nova taxa de 50%, que ainda será cobrada sobre produtos importantes como café e carnes, deve afetar algo entre 55% e 60% das exportações brasileiras para os EUA, segundo estimativas independentes e considerando o fluxo comercial atual.

Ao menos dessa vez, tanto Lula quanto outros petistas graúdos acostumados a povoar as redes sociais tiveram a decência de não reivindicar o crédito pelo recuo parcial do governo norte-americano. Afinal, por mais que os motivos de Trump para a mudança sejam desconhecidos, sabe-se com toda a certeza que empenho da parte do governo brasileiro não foi um deles. Enquanto vários países e blocos econômicos tomaram a iniciativa de procurar os norte-americanos para negociar e conseguiram acordos – o mais importante deles até agora, com a União Europeia, foi anunciado no último domingo –, o Brasil se encastelou na soberba de Lula, disfarçada de defesa da soberania nacional.

Os autênticos interesses brasileiros sucumbirão diante de arrogâncias e preferências pessoais de quem coloca a própria conveniência à frente da promoção do comércio exterior, um motor de prosperidade

Nenhuma autoridade de primeiro escalão do governo federal se dispôs a ir aos Estados Unidos especificamente para tentar negociações, e o governo se mostrava disposto a deixar o prazo se esgotar e as tarifas começarem a valer, para só depois tomar alguma providência. A única exceção foi o chanceler Mauro Vieira, que foi a Nova York para uma reunião da ONU sobre o Oriente Médio, e acabou conseguindo um encontro com o secretário de Estado Marco Rubio, na quarta-feira. Uma missão oficial aos EUA com outras autoridades do Executivo foi descartada porque, sem nenhuma reunião antecipadamente confirmada, o governo temia um vexame caso seus representantes não fossem recebidos na Casa Branca; se houver algo neste sentido, a viagem deve ocorrer apenas com as sanções já em vigor.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, pode reclamar o quanto quiser sobre a falta de canais diretos com Trump; a verdade é que foi o chefe de Haddad, de Vieira e do vice-presidente Geraldo Alckmin – outro que tem buscado algum tipo de contato de alto nível em Washington – quem fechou as portas à negociação. Desde o anúncio das novas tarifas, Lula não fez outra coisa a não ser bravatear e provocar em busca de popularidade, usando suas metáforas de boteco e insinuando que ele é quem deveria ser procurado por Trump para discutir, e não o contrário, como os EUA tivessem muito mais a perder que o Brasil em caso de uma disputa comercial entre os dois países.

E não se pode nem mesmo alegar que os norte-americanos não deixaram nenhuma porta aberta. Independentemente do que se possa pensar sobre a associação feita por Trump entre as tarifas e o processo contra Jair Bolsonaro, fato é que o encarregado de negócios da embaixada norte-americana no Brasil, Gabriel Escobar, disse a empresários do setor de mineração (um dos que vinham se mobilizado com mais intensidade para evitar as tarifas norte-americanas e uma retaliação brasileira) que os EUA têm interesse em terras raras e minerais como lítio e nióbio, dentro de um contexto de disputa com a China pelo controle desses minerais, importantes para setores como tecnologia e siderurgia. Mas, na segunda-feira, Lula também respondeu a essa possibilidade com frases de efeito. “Se esse mineral já é crítico, eu vou pegar ele pra mim. Por que eu vou deixar pra outro pegar?”, questionou – escondendo que o Brasil não tem capacidade de processar esses minérios, e que eles estão sendo vendidos em quantidades cada vez maiores para os chineses.

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Sem o envolvimento do Poder Executivo, restam iniciativas isoladas de setores empresariais como o de mineração e a missão de senadores brasileiros, da base aliada e da oposição, que foram aos Estados Unidos em busca de interlocutores, sem no entanto conseguir muito sucesso. Infelizmente, e apesar do recuo norte-americano, neste caso tudo se encaminha para um cenário em que os autênticos interesses brasileiros sucumbirão diante de arrogâncias e preferências pessoais de quem coloca a própria conveniência à frente da promoção do comércio exterior, que historicamente tem se mostrado um motor de prosperidade.

Muito antes de Trump iniciar seus tarifaços, qualquer analista econômico capaz de ligar os pontos reconhecia que o Brasil ainda era uma economia bastante fechada, que apelava ao protecionismo por meio de vários artifícios – como as políticas de conteúdo nacional tão ao gosto do petismo – e que, por isso, perdia em competitividade e produtividade. E a resposta de Lula à ofensiva comercial norte-americana não será a tão necessária abertura (seja ao mercado dos EUA, seja a outros mercados, como o europeu), mas a intensificação da mesma receita que tem impedido o Brasil de se tornar um ator mais relevante na economia mundial.

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