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O presidente da Argentina, Alberto Fernández, é recebido por Lula no Brasil após a posse, em 1º de janeiro.
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, foi recebido por Lula no Brasil após a posse, em 1º de janeiro.| Foto: André Borges/EFE

A clara e declarada aproximação de Lula com governantes ditatoriais de esquerda, especialmente na América do Sul, recoloca na cena da geopolítica regional não só o problema do apreço e amizade de Lula e do PT com ditadores, mas também o combalido Mercado Comum do Sul (Mercosul). Fundado em 1991, o Mercosul nasceu como bloco regional formado por Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, ao qual se juntou a Venezuela, confirmada como membro pleno em 2012 numa manobra apoiada pelo governo Dilma Rousseff. Na essência, o Mercosul pretendia ser um bloco relativamente modesto pela implantação de apenas dois capítulos: a livre circulação de bens e serviços entre os países-membros e a harmonização das tarifas de importação e exportação.

A inspiração para a criação do Mercosul teve duas origens principais. Uma foi a onda de globalização econômica ocorrida sobretudo a partir do fim dos anos 1980; a outra foram algumas afinidades entre os países do bloco, como a proximidade geográfica, a inexistência de barreira linguística em face da relativa facilidade de comunicação entre o português e o espanhol, o fato de nenhum dos quatro membros fazer parte do grupo de países desenvolvidos e a existência de algum grau de comércio exterior entre as partes. No começo, surgiram algumas dificuldades que retardaram a integração pretendida, oriundas de diferenças econômicas entre os componentes do bloco, as quais acabaram sendo forte causa da inviabilidade do bloco como mercado comum.

Embora sendo bons parceiros comerciais, Brasil e Argentina estão longe do que poderiam realizar em matéria de comércio bilateral e intercâmbio financeiro e tecnológico.

A Argentina, o único país do bloco que já houvera experimentado a condição de país desenvolvido, vinha desde o fim da Segunda Guerra Mundial em viagem de retrocesso iniciado com o início da era Perón. Desde o primeiro governo de Juan Domingo Perón, a Argentina vem construindo seu perfil nacionalista, populista, xenófobo e em constante conflito com o mercado internacional. Apesar de estar há oito décadas edificando sua trajetória rumo ao subdesenvolvimento, após ter vivido um período áureo de prosperidade com o melhor padrão de vida de toda a América Latina, a Argentina nunca abandonou sua postura de nação populista amante de maus governos. Embora empobrecendo economicamente década após década, o país sempre cultivou certa superioridade cultural na região, e na prática nunca mergulhou de forma decisiva no Mercosul.

A Argentina sempre foi bom parceiro comercial do Brasil – são as duas maiores economias do bloco –, mas simultaneamente seus governantes nunca abandonaram a prática de impor barreiras tarifárias e não tarifárias às importações. Além disso, a Argentina nunca conseguiu ter uma moeda estável, pelo contrário: o país tem uma convivência constante com taxas de inflação elevadas, como ocorre atualmente. Assim, embora sendo bons parceiros comerciais, Brasil e Argentina estão longe do que poderiam realizar em matéria de comércio bilateral e intercâmbio financeiro e tecnológico.

Os outros componentes do bloco desde a fundação, Paraguai e Uruguai, sempre mantiveram boas relações bilaterais com o Brasil, mas sempre encontraram dificuldades para ver suas posições acatadas por todo o bloco, em função da diferença de tamanho com os demais, inclusive em termos populacionais. A Venezuela somente obteve seu ingresso no Mercosul por ação de três presidentes com afinidades ideológicas (Dilma, Cristina Kirchner e Pepe Mujica), inclusive com transgressão da cláusula que exige dos membros que respeitem a democracia, as liberdades individuais, os direitos humanos e a economia de mercado. Não é necessário dizer que nada disso é encontrado na Venezuela, há anos vivendo sob uma ditadura cruel, opressora e que, ao lado de elevado empobrecimento, está vendo expressiva parcela de sua população fugir para outros países, inclusive o Brasil.

O Mercosul já apresentava certas diferenças que dificultavam o êxito do bloco; com o ingresso da Venezuela, o projeto foi totalmente desfigurado, tornando impossível um funcionamento lógico como bloco, mesmo porque as políticas econômicas dos cinco países nunca tiveram semelhança e compatibilidade, principalmente entre seus maiores membros. Sendo assim, novidade nenhuma há no atual estágio de estagnação das medidas e políticas necessárias para que o Mercosul possa funcionar como um verdadeiro bloco regional, sendo hoje apenas uma caricatura moribunda de um mercado comum, a ponto de o Uruguai estar cada vez mais decidido a ignorar as regras do bloco para ampliar sua inserção comercial e assinar os próprios acordos.

Para que um acordo de países em blocos regionais possa funcionar, deve conter no mínimo: livre comércio de bens e serviços entre os países; livre intercâmbio e comércio de fatores de produção (mão de obra, bens de capital, tecnologia e recursos naturais); harmonização tarifária e regras alfandegárias; e políticas macroeconômicas compatíveis, caso das regras de compra e venda de moeda estrangeira, programas de combate à inflação e acordos sobre o tratamento ao livre exercício profissional nos países-membros. Ora, se nem isso os membros do Mercosul conseguem articular e combinar, em razão das imensas diferenças que há entre eles, nada mais esdrúxula que a ideia, circulada no interior do governo federal, da criação de uma moeda única para Brasil e Argentina. O Mercosul, assim, volta ao cenário da maneira mais torta e inviável possível, que seria o acerto isolado entre apenas dois de seus membros, ignorando e isolando os demais. Um mau começo.

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