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Novo texto do Ministério da Saúde recomenda que, a partir de 21 semanas e seis dias de gestação, seja feita a antecipação do parto, com todos os esforços para salvar a vida do bebê, e não o aborto.| Foto: Unsplash

Em condições normais, não seria necessário celebrar quando uma pessoa ou instituição afirma o óbvio; mas, quando este óbvio passou décadas sendo soterrado por uma manipulação da linguagem que acabou incorporada até mesmo por pessoas de boa fé, é preciso, sim, elogiar quando a verdade evidente é restaurada. É dessa forma que devemos ler a primeira versão da nota técnica “Atenção Técnica Para Prevenção, Avaliação e Conduta nos Casos de Abortamento”, da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde, que afirma, de forma inequívoca, que não existe “aborto legal” no Brasil.

A expressão já havia se tornado tão corriqueira que não raro era empregada até mesmo por brasileiros que são contrários ao aborto, mas que desconhecem as nuances da redação dos textos legais e, sem má intenção alguma, concluíam que, por não ter punição prevista no Código Penal, o aborto em caso de estupro, risco de vida para a mãe e feto portador de anencefalia não seria crime. Na verdade, o crime continua existindo, mas o legislador julgou adequado não lhe aplicar pena alguma. Para que certa conduta não fosse criminalizada, seria preciso que a lei dissesse claramente que “não é crime” ou “não constitui crime”, em vez de apenas “não se pune”, como está escrito no caso do aborto. E o Código Penal brasileiro tem exemplos de ambas as situações, que a Gazeta do Povo já descreveu em detalhes dois anos atrás. Em ótima hora, portanto, o governo vem a público trazer a correta interpretação da lei, desmentindo o que constava até mesmo em documentos oficiais de governos anteriores e no discurso dos defensores do direito de matar, que sempre falavam em “aborto legal” na tentativa de manipular a opinião pública.

A nova nota técnica precisa ser encarada como o avanço possível; décadas de abortismo incrustado nas estruturas do poder público não serão desfeitas com uma canetada

No entanto, reduzir o alcance da norma técnica a um esclarecimento legal seria injusto. O texto, além de trazer o que há de mais recente em termos de pesquisa médica para apoiar o atendimento, é permeado pela intenção de cuidar das duas vidas em jogo, a da mãe e a do bebê – nos casos em que o aborto ainda não foi realizado. O documento reforça a importância do consentimento e da proteção especial às gestantes menores de idade, além de reafirmar a proibição do teleaborto, o direito à objeção de consciência e a necessidade dos procedimentos de coleta de evidências nos casos de violência sexual, para que seja possível investigar e punir o estuprador sem expor a mulher violentada a um novo constrangimento, em linha com as leis 13.718/18 e 13.931/19, que tratam do assunto.

Especialmente digna de elogio é a orientação para que o aborto não seja realizado quando a gestação tiver ultrapassado 21 semanas e seis dias, pois neste caso já se atingiu a chamada “viabilidade fetal”, a possibilidade de sobrevivência fora do útero. O documento do Ministério da Saúde orienta que, nessas situações, seja feita a antecipação do parto, e não o aborto (mesmo nos casos em que não há punição legal), usando-se toda a tecnologia disponível para que o bebê prematuro tenha a chance de se desenvolver e, depois de receber alta, seja encaminhado para a adoção, caso seja esse o desejo da mãe.

Muitos defensores da vida intrauterina haverão de ponderar que, apesar de todos os pontos positivos do texto, o aborto não punido por lei, mesmo sendo crime, continuará a ser realizado em muitos hospitais, incluindo os da rede pública – em outras palavras, até mesmo dinheiro do contribuinte seguirá sendo usado para que se cometam crimes com toda a segurança. Não há dúvidas de que o objetivo final é que isso não ocorra mais; que sempre sejam protegidas as duas vidas, a da mãe e a da criança; que Estado e sociedade proporcionem todos os meios para que as gestações sejam levadas até o fim. Mas a nova nota técnica precisa ser encarada como o avanço possível; como já afirmamos em outras ocasiões, décadas de abortismo incrustado nas estruturas do poder público não serão desfeitas com uma canetada.

E mesmo este avanço corre risco, pois audiências públicas aparelhadas pelo abortismo certamente pressionarão o Ministério da Saúde para que abandone ou suavize o texto, isso para não falar das dificuldades que poderão ser impostas por setores ideologizados do Ministério Público e do Judiciário. Que os responsáveis pelo texto demonstrem, diante da esperada reação contrária, a mesma coragem que tiveram ao redigir a nota técnica; a vida nascente e todos os seus defensores no Brasil agradecem.

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