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Depois que o governo federal conseguiu, na base da chantagem formalizada em decreto, uma anistia fiscal que lhe permitiria descumprir as metas de superávit primário sem pagar por isso, não surpreende que o perdão para suas irresponsabilidades acabe estendido para outros setores, novamente com a ajuda do Congresso Nacional. Foi assim que a Medida Provisória 656 passou tanto pelo Senado quanto pela Câmara. O texto, que tratava de incentivos fiscais, como redução de alíquotas do PIS/Pasep e da Cofins, se tornou um Frankenstein com a adição de 43 itens que não constavam da proposta original enviada ao Planalto. Entre eles, uma generosíssima anistia na renegociação dos débitos de clubes de futebol endividados.

O "jabuti" – apelido dado a esse tipo de acréscimo sem relação com o escopo original de uma medida provisória – está no artigo 141 da MP e prevê que as dívidas dos times com a Receita Federal, o Banco Central e a Fazenda Nacional sejam parceladas em até 20 anos, com desconto de 70% nas multas isoladas e 30% nos juros. Mas não é exigida dos gestores dos clubes absolutamente nenhuma contrapartida no sentido de tornar mais racionais ou transparentes os futuros orçamentos e a gestão financeira das agremiações.

É o pior dos mundos: anistia-se o mau pagador, o clube que não paga impostos ou multas e não recolhe os direitos previdenciários de seus atletas; e fica escancarada a porta para futuras calamidades, como a habitual contratação de estrelas por salários astronômicos que estão fora da realidade financeira dos clubes nacionais. E aqueles times que adotaram uma gestão responsável acabam punidos do ponto de vista moral – afinal, que incentivo há em administrar bem um clube se é possível fazer tudo errado e, no fim, conseguir uma renegociação que é um verdadeiro presente?

Se colocada em prática, esse perdão praticamente enterra a chamada "Lei de Responsabilidade Fiscal do Esporte", o Projeto de Lei 5.201/2013, que vinha tramitando no Congresso Nacional. O PL também prevê uma renegociação de dívidas dos clubes, mas sem anistia, e condicionando o novo parcelamento dos débitos a uma série de medidas moralizadoras em relação à transparência e à disciplina financeira, o que seria um passo decisivo para o fortalecimento dos próprios clubes.

Agindo dessa forma, o Congresso deixa claro que as lições do humilhante 7 a 1 sofrido pela seleção nacional na Copa do Mundo de nada serviram. Imediatamente depois da derrota na semifinal, os brasileiros perceberam que o apagão dentro de campo era também reflexo da desorganização fora das quatro linhas. Em artigos e reportagens, o modelo de gestão futebolística de nossos algozes alemães foi exibido à exaustão, e os brasileiros ficaram sabendo que a Alemanha segue regras rigorosas para a saúde financeira dos times, obrigados a apresentar relatórios periódicos comprovando sua capacidade de honrar suas obrigações. Os salários não podem superar 50% da receita do clube. Outros países europeus viram clubes falidos serem rebaixados até para a quarta divisão do campeonato nacional – caso do Rangers, na Escócia, e da Fiorentina, na Itália.

Durante a votação simbólica da MP 656 no Senado, houve questionamentos sobre a anistia aos clubes. O senador Romero Jucá (PMDB-RR) – ironicamente, o mesmo parlamentar que havia acrescentado os "jabutis" ao texto da medida provisória – respondeu garantindo que "o governo já informou que não tinha compromisso com essa proposta e que pretende vetar esse trecho sobre os clubes de futebol e discutir esse assunto". De fato, ainda que suas próprias atitudes em relação à Lei de Responsabilidade Fiscal tenham lhe tirado qualquer moral para exigir boa gestão financeira dos demais, é preciso que a presidente Dilma Rousseff vete o perdão aos clubes. Do contrário, o torcedor brasileiro pode desistir de qualquer esperança de ver o futebol nacional tomar o rumo do fortalecimento no médio e longo prazo.

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