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Os presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou (à esquerda); do Paraguai, Mario Abdo Benítez (ao centro); e da Argentina, Alberto Fernández (à esquerda), conversam durante reunião de cúpula do Mercosul em 21 de julho de 2022.
Os presidentes do Uruguai, Luis Lacalle Pou (à esquerda); do Paraguai, Mario Abdo Benítez (ao centro); e da Argentina, Alberto Fernández (à esquerda), conversam durante reunião de cúpula do Mercosul em 21 de julho de 2022.| Foto: Nathalia Aguilar/EFE

As divergências que vêm minando a atuação comum dos países do Mercosul se tornaram ainda mais evidentes nas reuniões de chefes de Estado, ministros da área econômica, presidentes de Bancos Centrais e chanceleres, ocorridas ao longo desta semana. O presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, não viajou à cidade paraguaia de Luque, participando da cúpula desta quinta-feira por videoconferência – os demais presidentes, o argentino Alberto Fernández, o uruguaio Luis Lacalle Pou e o paraguaio Mario Abdo Benítez, compareceram pessoalmente. Além disso, não houve consenso para que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, enviasse uma mensagem aos presidentes.

Mas é na questão da inserção comercial que as diferenças se aprofundam. Por mais que o bloco tenha anunciado a conclusão de um acordo de livre comércio com Singapura, facilitando a entrada de produtos sul-americanos no Sudeste Asiático, e tenha finalmente acertado uma redução de 10% na Tarifa Externa Comum (algo que o Brasil já havia realizado unilateralmente), as boas notícias terminaram aí. São as perspectivas de um outro acordo, que vem sendo costurado entre o Uruguai e a China, que dominam as preocupações dos países-membros. As regras do Mercosul exigem que tratados sejam negociados pelo bloco, não de forma isolada, mas há um ano o Uruguai já havia avisado os demais parceiros que passaria a agir sozinho mesmo sem o aval dos outros três países do Mercosul, intenção que Lacalle Pou reafirmou nesta quinta-feira. Argentina e Paraguai já se declararam enfaticamente contrários a qualquer acordo entre China e Uruguai, enquanto o Brasil, defensor de uma flexibilização das regras de negociação, tem evitado tomar partido.

Os países do Mercosul dificilmente conseguem falar o mesmo idioma em termos econômicos

“Seríamos mais fracos sem o Mercosul”, afirmou o chanceler argentino, Santiago Cafiero; seu colega paraguaio, Julio César Arriola, acrescentou que o bloco tem “maior capacidade e força negociadora”. Ora, se há um país que sabe muito bem disso é o Uruguai. Um país de 3,5 milhões de habitantes e PIB de US$ 50 bilhões tem muito menos poder de fogo em uma mesa de negociação que um gigante de 270 milhões de habitantes e PIB de cerca de US$ 2 trilhões. A questão não é essa, mas o que fazer quando o desejo de maior inserção internacional de um país é freado pelos parceiros de bloco – no entanto, a discussão do problema em tese ainda deixa de lado algumas questões mais práticas, que se tornam cruciais quando do outro lado estão os produtos chineses.

Caso os uruguaios de fato assinem um tratado de livre comércio com a China, e permaneçam no Mercosul, o país asiático teria abertas as portas para seus produtos dentro de todo o bloco sem pagar tarifas, bastando que eles chegassem pelo Uruguai, jogando o pêndulo para o outro lado: se hoje há uma boa dose de protecionismo dentro do bloco, passar-se-ia a uma situação de concorrência quase desleal. O próprio Paulo Guedes, defensor da abertura comercial, reconheceu essa situação em um evento organizado pelo Senado em abril de 2021, comemorando os 30 anos do Mercosul. “Nós sempre dissemos para os nossos industriais que nós não íamos abrir de repente a economia brasileira, considerando que o industrial brasileiro tem uma bola de ferro na perna direita, que eram os juros de dois dígitos; uma bola de ferro na perna esquerda, que eram justamente os impostos excessivos; e um piano nas contas, que são os encargos trabalhistas. Você não pode de repente abrir e falar: ‘pode correr que o chinês vai te pegar’”, afirmou à época o ministro da Economia. A situação escancara as diferenças internas dentro do bloco, pois, enquanto o Uruguai é o 34.º colocado no Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation, considerado uma “economia livre” (e cujos negócios, teoricamente, teriam mais condições de concorrer com o produto chinês), o Brasil amarga o 133.º lugar e a Argentina, a 144.ª posição, ambos no grupo dos países “majoritariamente não livres” – o Paraguai fica em um intermediário 73.º lugar, entre as economias “moderadamente livres”.

Os países do Mercosul, portanto, dificilmente conseguem falar o mesmo idioma em termos econômicos. Há os que, já tendo uma economia bem desenvolta, gostariam de avançar mais na inserção comercial internacional; os que entendem o valor da abertura comercial, mas não conseguem realizar reformas que deem competitividade ao produtor nacional e permitam que essa abertura possa ocorrer sem solavancos; e os que abraçam sem pudores o protecionismo. É fundamental que o Mercosul siga buscando a elevação do comércio exterior com outros países e blocos – o que inclusive servirá como empurrão para reformas que elevem a competitividade do produto nacional – em uma velocidade que seja aceitável para todos.

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