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| Foto: Nelson Almeida/AFP

Desabastecimento, fome, desemprego, hiperinflação e desespero de famílias em busca de alimentos, emigração em massa, violência urbana, opressão da polícia do regime agonizante, corrupção, revoltas e demonstração diária de força por instituições militares que apoiam o ditador Nicolás Maduro na luta para se manter no poder: a grave situação na Venezuela e a tragédia econômica, política e humanitária causada pela aplicação do “socialismo do século 21” naquele país são o primeiro grande teste da política externa brasileira sob o presidente Jair Bolsonaro e o chanceler Ernesto Araújo.

Em razão de sua condição de vizinho da Venezuela, o Brasil é um dos países mais afetados pelo caos causado por Maduro e seu antecessor, o falecido caudilho Hugo Chávez. Ainda durante o governo de Michel Temer, o Brasil virou destino de milhares de refugiados, desesperados e famintos, uma crise humanitária de elevadas proporções que, ainda por cima, colocou pressão sobre os serviços básicos em um dos estados mais pobres do Brasil, Roraima.

O Itamaraty, até agora, tem tratado a questão com a firmeza necessária, mas sem precipitação. O governo analisou a conjuntura, avaliou as opções, definiu o plano de ação e deixou claro para a sociedade e para os órgãos internacionais o modo como o Brasil atuaria diante do estágio a que chegou o problema venezuelano, tanto no plano diplomático quanto no humanitário.

Sem aval da ONU, uma ação militar estrangeira para remover Maduro ainda seria extremamente temerária

A política externa tem alguns princípios fundamentais: a necessidade de respeitar a autodeterminação dos povos; o compromisso de não intervenção em assuntos internos de outra nação, ou seja, respeito à autonomia e soberania de cada povo em relação a seus problemas nacionais; e a determinação de colaborar e participar na solução de tragédias naturais e crises humanitárias, como é o caso de epidemias, fome, tortura e extermínio de pessoas do próprio povo. O problema que a diplomacia brasileira teve de resolver era um suposto choque entre esses princípios, já que a crise é causada pelo governo do outro país, tendo sua própria população como a vítima principal.

O ditador Maduro, que só se sustenta no poder graças às Forças Armadas, invoca a não intervenção para rejeitar a intromissão de outros países na crise (ainda que veja com muito bom grado a presença russa na Venezuela) e, mais recentemente, para recusar a entrada de alimentos e medicamentos oriundos dos Estados Unidos, do Brasil e de outros países, sob o argumento – falso, é preciso dizer – de que a ajuda oferecida é um meio de favorecer eventual intervenção. Ou seja, enquanto a população venezuelana precisa com urgência de comida, remédios e bens vitais, o regime proibiu a entrada da ajuda, mesmo que isso resultasse na morte de parte da população local.

Diante do caos venezuelano, o Brasil adotou a posição mais sensata: reconheceu o presidente interino Juan Guaidó, condenou o ditador Maduro e colaborou para o envio da ajuda humanitária, que nada tem de intervencionista, ao mesmo tempo em que descartou completamente a entrada de tropas brasileiras no país vizinho se não for militarmente provocado. Mesmo quando o gás lacrimogêneo lançado por tropas bolivarianas contra manifestantes chegou a território brasileiro, sem que as tropas de Maduro cruzassem a fronteira, o Brasil descartou uma retaliação. 

Leia também: A influência de Cuba sobre o regime venezuelano (artigo de Jorge Carrasco, publicado em 24 de fevereiro de 2019)

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A dimensão da crise venezuelana atingiu proporções tão elevadas que se tornou um problema humanitário mundial. A Organização das Nações Unidas (ONU), criada para promover a cooperação internacional, ainda reconhece Maduro, mantendo o embaixador designado por ele, mas havia pedido ao ditador que autorizasse a entrada da ajuda para a população faminta e doente. Após os confrontos do sábado, a alta comissária da ONU para Direitos Humanos, a ex-presidente chilena Michelle Bachellet, de esquerda, condenou a violência da repressão de Maduro, mas o braço da ONU não poderá ir muito mais longe que isso. Mesmo que a situação da Venezuela se agrave ainda mais, uma intervenção estrangeira para depor Maduro dependeria do Conselho de Segurança da entidade, onde a Rússia tem poder de veto e não hesita em exercê-lo para defender o ditador chavista.

Ainda no sábado, Guaidó afirmou que pretendia “sugerir à comunidade internacional de maneira formal que devemos ter abertas todas as opções para conseguir a libertação desta pátria que luta e seguirá lutando”, insinuando que poderia solicitar uma intervenção internacional para ajudar as forças democráticas. Mas, sem a ONU, tal ação ainda seria extremamente temerária. Por isso, o Grupo de Lima, reunido na Colômbia nesta segunda-feira, insistiu na intensificação da pressão diplomática, com maior reconhecimento internacional a Guaidó, e em mais sanções econômicas, como congelamento de bens ligados à ditadura ou sua entrega à administração da equipe de Guaidó.

O vice-presidente brasileiro, general Hamilton Mourão, disse em Bogotá estar consciente de que os venezuelanos não conseguirão se livrar de Maduro apenas com as próprias forças e precisam da ajuda externa, mas que essa ajuda tem de ocorrer “sem qualquer medida extrema”. Uma postura que reconhece a dimensão do problema, compreende a necessidade do envolvimento brasileiro, mas rejeita unilateralismos e agressões que tenderiam a atiçar o barril de pólvora venezuelano.

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