Antes que a indefectível patrulha politicamente correta me condene ao fogo do inferno por falta de solidariedade latino-americana, esclareço que "O Rato que Ruge" é uma comédia clássica de Peter Sellers, que faz o papel duplo de rainha e de primeiro-ministro do minúsculo ducado de Grand Fenwick. Enfrentando grandes dificuldades internas, o país resolve declarar guerra aos Estados Unidos para ser derrotado e, assim, incluído no rol dos países que recebiam auxílios pós-guerra dos americanos. O problema é que por circunstâncias que o paciente leitor deve descobrir vendo o filme, que é uma delícia os Estados Unidos é que se rendem, criando um problema monumental para os vencedores.
A política de nuestros hermanos Bolívia e Equador tem todos os ingredientes do rato que ruge, menos o talento de seus protagonistas. Primeiro foi o governo de Evo Morales, que, na prática, expropriou a Petrobras e ameaça expulsar os agricultores brasileiros. Agora, foi o Equador que defenestrou a construtora Odebrecht, a Furnas e ameaça fazer o mesmo com a Petrobras. O curioso é que tanto o governo de Morales quanto o do equatoriano Rafael Correa agem como se nada tivesse acontecido, como se pudessem, a um tempo, chutar os fundilhos do Brasil e das empresas brasileiras e ao mesmo tempo continuar a pleitear a "parceria" de nosso país em seus projetos de modernização. A suspensão de uma missão brasileira para financiar obras de infra-estrutura viária "magoou" o governo equatoriano, que acredita que tudo está como dantes no quartel dAbrantes.
Aglutinar o sentimento nacional contra um inimigo externo é uma técnica manjadíssima (oh, tédio!), aplicada por dez entre dez governantes incapazes de resolver as próprias mazelas que resolvem os problemas encontrando inimigos externos para botar a culpa... Mas parece que essa cômica "declaração de guerra" tem como propósito adicional criar uma dificuldade aqui e ali para conseguir extrair uma compensação lá e acolá, um cala-boca em nome da proverbial solidaridad entre los pueblos (blá, blá, blá).
Está mais do que na hora de atualizar a geoestratégia brasileira. Atualmente, nossa política externa é muito mais orientada pelas diretrizes ideológicas do Foro de São Paulo, um grupo de esquerdistas latino-americanos empedernidos e encharcados de terceiro-mundismo, do que por uma visão madura de nossos reais interesses. Que estamos ganhando com essa política latino-americana? Liderança continental? Certamente não, pois Hugo Chávez se julga líder, Evo Morales e Rafael Correa se julgam líderes e nenhum deles está disposto a se alinhar com o Brasil em nada que seja realmente importante. Estamos ganhando acesso a recursos naturais estratégicos? Também não, pois tudo o que eles têm nós também temos em abundância, até petróleo. Acesso ao Pacífico? Esse poderia ser um ganho importante, embora a Bolívia, por razões óbvias, não seja a melhor escolha e Antofagasta, no Chile, seja muito melhor opção do que qualquer porto equatoriano.
A América Latina vive essa sina maldita, a de estar eternamente às voltas com o populismo que dilapida as riquezas nacionais ou com essa vanguarda do atraso, saudosa de um esquerdismo demodé que fazia sucesso nos anos cinqüenta do século passado, mas que hoje tem o mesmo sabor de nostalgia que o filme de Peter Sellers, rodado em 1959.
Dizia Otto Lara Rezende que os mineiros só são solidários no câncer; pois nosotros não somos solidários nem no câncer, estamos separados pela geografia, pela história e pelo futuro que nos espera como nações. Vamos deixar os ratos rugindo e tomar conta de nossa vida, pois temos coisas mais importantes a fazer.
Belmiro Valverde Jobim Castor é professor do Doutorado em Administração da PUCPR.



