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| Foto: Mauro Pimentel/AFP

Depois de ver três ex-governadores presos – Sérgio Cabral, Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho –, a população do Rio de Janeiro presenciou, pela primeira vez, a prisão de um governador ainda no exercício do mandato. Com autorização do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a força-tarefa da Lava Jato no Rio prendeu Luiz Fernando Pezão, dois de seus secretários e mais seis pessoas, incluindo um sobrinho do governador. O pedido de prisão, feito pela Procuradoria-Geral da República, se baseou na delação de Carlos Miranda, operador financeiro de Cabral: Pezão teria recebido uma mesada de R$ 150 mil mensais entre 2007 e 2014, quando era vice de Cabral, e o esquema de propinas de empresas para favorecimento em contratos públicos ainda estaria em funcionamento, o que justificaria o pedido de prisão.

Pezão chegara a ter seu mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro, em 2017, por abuso de poder econômico e político, mas a decisão foi revertida em agosto deste ano pelo Tribunal Superior Eleitoral devido a uma questão processual: a sessão do TRE que havia decidido a cassação não tinha sido realizada com o quórum completo.

É difícil dizer se a Lava Jato e seus desdobramentos estão conseguindo limpar satisfatoriamente todas as estruturas

A lista de escândalos em que estão envolvidos os principais detentores de mandatos eletivos no Rio de Janeiro parece não ter fim. A Lava Jato deu origem a outras investigações, como a que descobriu um esquema envolvendo as empresas de transporte coletivo do Rio. Enquanto um dos empresários, Jacob Barata Filho, sai da cadeia toda vez que entra nela, graças a decisões do ministro Gilmar Mendes, do STF, vários deputados estaduais só escaparam da prisão porque o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região ampliou o escopo de uma decisão do Supremo que deveria valer apenas para membros do Congresso Nacional; assim, a Assembleia Legislativa do Rio acabou livrando seus membros.

No total, segundo levantamento do site G1, foram ou ainda estão presos quatro dos cinco últimos governadores do Rio (a exceção é Benedita da Silva); todos os que presidiram a Assembleia Legislativa do estado entre 1995 e 2017; 10 dos atuais 70 deputados estaduais; 5 dos 6 conselheiros do Tribunal de Contas do Estado; e um ex-procurador-geral do Ministério Público Estadual – o que mostra a extensão do esquema montado para proteção mútua dos corruptos, contando inclusive com a omissão dos órgãos de investigação. Não há registro de outro estado da Federação com uma lista tão extensa de políticos enrolados com a Justiça.

A corrupção desenfreada é mais uma das mazelas que o cidadão do Rio de Janeiro tem de enfrentar. Há, antes de tudo, a violência sem fim, que motivou uma intervenção federal na área de segurança pública e que ganhou corpo no início dos anos 80, com a política do governador Leonel Brizola de não mandar a polícia subir os morros, que assim se tornaram território do crime organizado. Tanta leniência permitiu que surgissem, dentro das forças de segurança, as milícias que hoje disputam espaço com os traficantes.

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Por fim, veio o caos econômico, resultado do esbanjamento dos recursos do estado com aumentos generosos ao funcionalismo, dos gastos com os megaeventos esportivos, tudo movido a royalties do petróleo que se tornaram escassos nos últimos anos. Hoje, o servidor público fluminense vive se perguntando se o salário será pago em dia, e o cidadão não sabe se poderá contar com os serviços públicos, cujo funcionamento é ameaçado pela crise fiscal.

Em 2018, o eleitor demonstrou seu descontentamento com o grupo de Cabral, Pezão e Jorge Picciani, colocando no governo estadual o ex-juiz Wilson Witzel (PSC) e reduzindo significativamente a bancada do MDB, prestigiando o PSL do presidente eleito, Jair Bolsonaro. No entanto, a ladroagem está incrustada na máquina governamental fluminense há tanto tempo que é difícil dizer se a Lava Jato e seus desdobramentos estão conseguindo limpar satisfatoriamente todas as estruturas. O temor do cidadão é o de que ainda restem elementos suficientes para frear qualquer ímpeto moralizador que traga alguma esperança a quem vive naquele “Rio de amor que se perdeu” que Vinicius de Moraes já lamentava mais de 40 anos atrás, sem realmente imaginar “a que ponto a cidade turvaria”.

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