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TSE
| Foto: José Cruz/Agência Brasil.

Dizia Milton Friedman que “nada é tão permanente quanto um programa temporário do governo”. Esta máxima – que, embora cunhada para a economia, bem se aplica aos demais aspectos do poder – e aquela segundo a qual o Estado, uma vez tendo avançado sobre um direito ou liberdade, jamais o devolve ao cidadão tiveram nova comprovação recente pelo Supremo Tribunal Federal. No dia 18, terminou o julgamento, em plenário virtual, da ação que questionava uma resolução do Tribunal Superior Eleitoral concedendo superpoderes ao presidente da corte para derrubar conteúdos e suspender perfis em mídias sociais. Por, ao mesmo tempo incríveis e previsíveis, nove votos a um, os ministros mantiveram a resolução, que valerá também para as eleições municipais de 2024.

O texto prevê que o presidente do TSE (cargo ocupado atualmente por Alexandre de Moraes) pode determinar por conta própria – ou seja, ele nem precisaria ser acionado por partido político, candidato ou Ministério Público – a remoção de conteúdos “sabidamente inverídicos” ou “gravemente descontextualizados”, com um exíguo prazo de duas horas para o cumprimento da decisão (ou uma hora caso a ordem seja proferida da antevéspera da eleição até três dias depois da votação). Além disso, a resolução autoriza a suspensão de perfis que o TSE considere responsáveis por “produção sistemática de desinformação, caracterizada pela publicação contumaz de informações falsas ou descontextualizadas sobre o processo eleitoral”. O então procurador-geral da República, Augusto Aras, acionou o STF para derrubar a resolução em fevereiro deste ano, depois de ter uma liminar negada ainda no ano passado.

Pouco importa, no caso, que a autorização para os atos de ofício se aplique apenas a casos de conteúdos idênticos a outros que já tenham sido analisados e tenham tido remoção determinada por plenário; os superpoderes concedidos ao tribunal e, especialmente, a seu presidente são tão fora da curva que até a imprensa estrangeira percebeu o absurdo assim que a resolução fora publicada. O jornal norte-americano The New York Times, por exemplo, afirmou, no título de sua reportagem, que “Um homem pode agora decidir o que pode ser dito online no Brasil”. E tudo o que vimos desde o período eleitoral até o momento mostra que este homem, seja no TSE, seja no STF, usou muito bem o “direito” que recebeu, pois há brasileiros que até hoje estão sob censura, impossibilitados de se manifestar pelas mídias sociais, ainda que jamais tenham sido nem mesmo acusados de crime algum, muito menos condenados por algo que tenham dito ou feito.

Destaque-se a divergência solitária de André Mendonça, o único que teve a valentia de divergir do relator Edson Fachin e chamar as coisas pelo que são. O ministro reconheceu a importância de impedir a difusão de informações falsas, mas afirmou que o TSE não pode subverter o ordenamento jurídico, mesmo com as motivações mais nobres; que a suspensão de perfis equivale a censura prévia; e que não é possível alijar o Ministério Público de todo o processo, como faz a resolução ao revogar um artigo de uma resolução anterior que mencionava explicitamente a necessidade de requerimento do MP em caso de difusão de fake news. Fachin chegou a argumentar que isso não era um problema, pois o Ministério Público continuaria podendo fiscalizar a desinformação nas redes. O problema, no entanto, não é este, mas o fato de que o poder concedido ao presidente do TSE de atuar de ofício ignora o princípio segundo o qual o Judiciário só age quando provocado, e não por conta própria.

Ao longo do processo eleitoral do ano passado, a cada medida arbitrária que TSE ou STF tomavam para abolir a liberdade de expressão, os ministros se encarregavam imediatamente de “tranquilizar” a sociedade afirmando que aquela era uma “exceção” necessária diante das circunstâncias. Pois, aos poucos, as exceções estão se tornando a regra, inclusive do ponto de vista formal, como atesta a decisão que validou os superpoderes do TSE. Tendo sentido o gosto de decidir quem pode se manifestar nas mídias sociais, e o que essas pessoas podem ou não podem dizer, era de se imaginar que os ministros não abririam mão desse poder tão facilmente, para a infelicidade de qualquer um que se preocupe genuinamente com o estado da liberdade de expressão no Brasil.

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