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Quando o ex-presidente Lula, no sábado, deixou Brasília e o quarto de hotel de luxo onde tentava comprar deputados (retornando à capital federal apenas no fim da manhã de domingo), havia duas interpretações possíveis: ou ele já havia cumprido sua missão e garantido os 172 votos, abstenções e ausências, ou ele havia considerado que não havia mais esperança – algo que ele jamais admitiria, mas que, a julgar pelo resultado da votação deste domingo, quando a Câmara aprovou por 367 a 137 a admissão do processo de impeachment de Dilma Rousseff e o envio da denúncia ao Senado, era a realidade.

É bem verdade que, se fosse seguida a letra da Constituição de 1988, só faltaria uma formalidade para Dilma se tornar presidente afastada. Pelo artigo 86 da Carta Magna, é a Câmara dos Deputados que autoriza a abertura do processo, o que o Senado deve fazer o quanto antes, sacramentando o afastamento até que ocorra o julgamento. Foi assim em 1992: a Câmara votou em 29 de setembro, o Senado instaurou o processo em 1.º de outubro e Fernando Collor foi afastado em 2 de outubro.

Que a comemoração não nos faça perder de vista que o trabalho ainda está no começo

Mas, em dezembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal decidiu que o Senado precisaria aprovar, por maioria simples, o início do processo, para só então Dilma ser afastada. Decisão que consideramos equivocada, pois, ao estabelecer que o Senado deve repetir o que a Câmara já fez (e que, por atribuição constitucional, cabe exatamente a ela), o STF criou uma redundância que desqualifica o trabalho dos deputados e deu um presente a Dilma, que ganha alguns dias para negociar com um Senado mais amistoso que a Câmara onde ela sofreu sua maior derrota até o momento.

O que o país espera deste Senado, comandado por um Renan Calheiros que se iguala a Eduardo Cunha em imoralidade e que não esconde sua simpatia pelo governo – classificando como “precipitada” a saída do PMDB da base aliada, por exemplo –, é que trate o impeachment com a seriedade que o assunto merece; que não se esconda atrás do regimento para prolongar o máximo possível a indefinição vivida pelo país; que não se deixe seduzir pelas investidas de Dilma e Lula, que passarão a articular com os senadores o feirão que instalaram na Câmara e que, felizmente, falhou miseravelmente na tentativa de assegurar ausências, abstenções e votos contrários ao impeachment.

E, da população e da sociedade civil organizada, esperamos que mantenham o clima permanente de mobilização. A vitória na Câmara é importante, mas não é a decisão final. É preciso ir às ruas com a mesma intensidade daquele histórico 13 de março e repetir o excelente trabalho feito pelas entidades civis, de classe e do setor produtivo, agora para pressionar os senadores, especialmente aqueles que ainda se mostram indecisos ou estão em partidos que formalmente não fazem parte do governo. Afinal, no Senado o que sobrou da base aliada é proporcionalmente mais numeroso que na Câmara: o impeachment exige 41 votos para a abertura do processo, com afastamento de Dilma, e 55 para a cassação definitiva. PT, PCdoB e PDT têm, juntos, 15 senadores; somando-se outros governistas em partidos como PMDB e PSB, já são cerca de 20 parlamentares. Pode ser pouco para impedir o afastamento provisório, mas é um número perigosamente próximo dos 27 senadores suficientes para salvar o mandato de Dilma.

Sim, temos de comemorar o resultado da votação na Câmara. Ainda que, como dissemos no editorial deste fim de semana, muitos tenham votado pensando mais em si mesmos que no Brasil, pelo menos neste domingo o país não se curvou a um sistema que coloca o aparato estatal a serviço de um partido e de um projeto de poder. Mas que a comemoração não nos faça perder de vista que o trabalho ainda está no começo – e não terminará com a saída do PT do poder.

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