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| Foto: Aniele Nascimento/Gazeta do Povo

Desde o início dos protestos contra o governo de Dilma Rousseff, sempre houve uma minoria insensata que pedia um golpe de Estado, eufemisticamente chamado de “intervenção militar constitucional”, para derrubar o governo. Esses grupos não sossegaram com o impeachment, até porque o governo que lhe seguiu também tem seus esqueletos no armário (e fora dele) quando o assunto é corrupção. Mas durante todo esse tempo os militares jamais endossaram o chamado dos golpistas – até agora.

Quem quebrou o silêncio foi o general Hamilton Mourão, secretário de Economia e Finanças do Exército. Durante palestra em uma loja maçônica, em Brasília, respondendo a uma pergunta que sugeria a derrubada do governo e o fechamento do Congresso, afirmou: “Quando nós olhamos com temor e com tristeza os fatos que estão nos cercando, a gente diz: ‘Pô, por que não vamos derrubar esse troço todo?’ (…) Ou as instituições solucionam o problema político, pela ação do Judiciário, retirando da vida pública esses elementos envolvidos em todos os ilícitos, ou então nós teremos que impor isso”. Mourão ainda acrescentou que sua visão é compartilhada por outros membros do alto comando das Forças Armadas.

Nunca há intervenção por decisão própria das Forças Armadas

Não há como ser mais claro – nem mesmo com as observações, feitas pelo general, de que o Exército jamais deveria ser fator de instabilidade nem agir de forma ilegal. Foi a primeira vez que um oficial general da ativa disse algo desse teor, e Mourão recebeu apoio de pelo menos mais um general (Augusto Heleno, que chefiou a missão brasileira no Haiti) e até mesmo de um deputado, Cabo Daciolo (PTdoB-RJ), que pediu o fechamento do Congresso onde ele próprio é parlamentar.

O comando do Exército preferiu abafar o caso. Apesar da indignação inicial do ministro da Defesa, Raul Jungmann, o comandante Eduardo Villas Bôas garantiu que não haveria punição, elogiou Mourão e ainda deu sua interpretação da Constituição, dizendo que “essa defesa das instituições, dos poderes constituídos, ela poderá ocorrer por iniciativa de um deles ou na iminência de um caos. Então, as Forças Armadas teriam um mandato para fazê-lo”, referindo-se a uma intervenção.

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Não é bem isso que diz a Constituição. Seu artigo 142 afirma que as Forças Armadas estão “sob a autoridade suprema do presidente da República, e destinam-se à defesa da pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”. Um exemplo de intervenção a pedido de um dos poderes é a atual ação do Exército no Rio de Janeiro, ou a que houve no Espírito Santo durante o motim da Polícia Militar. Mais importante é ressaltar que nunca há intervenção por decisão própria das Forças Armadas, sem a iniciativa de algum dos poderes constitucionais.

Mais ainda: no Brasil, a defesa de uma ruptura institucional por meio de golpe de Estado, ainda que disfarçada sob denominações mais sutis, é crime, previsto no artigo 22 da (ironia das ironias) Lei de Segurança Nacional – o artigo 17 da mesma lei criminaliza o ato em si de mudar o governo por meio da força.

Villas Bôas pode ter suas razões para evitar uma punição ou uma censura pública a Mourão, que em poucos meses passará para a reserva. O comandante não quer transformar o colega em mártir ou atiçar quem pensa como Mourão, e o ministro Jungmann demonstrou concordar com a argumentação. Mas não é aceitável que a cúpula das Forças Armadas permita que delírios golpistas sejam alimentados pelas palavras ou pela omissão daqueles em quem essa minoria antidemocrática deposita (de forma não correspondida, assim torcemos) suas esperanças.

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