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Nem as famílias defensoras do homeschooling, a educação domiciliar, nem os representantes mais radicais do Ministério Público devem ter saído plenamente satisfeitos do julgamento encerrado nesta quarta-feira no Supremo Tribunal Federal (STF) – os defensores da educação domiciliar, no entanto, certamente têm mais motivos para esperança no futuro. A corte analisava o caso de uma família gaúcha que pretendia educar a filha pré-adolescente em casa, mas a Secretaria de Educação do município quis impor a matrícula no ensino formal, fosse público ou privado. A família questionou a decisão na Justiça, e a decisão do Supremo teria repercussão geral, ou seja, valeria para todos os casos de homeschooling.

A maioria dos ministros do Supremo decidiu por uma posição intermediária entre os dois extremos defendidos por alguns dos magistrados. O relator, Luís Roberto Barroso, tinha dado razão à família gaúcha, considerando que o homeschooling não feria a Constituição, mas que seria preciso realizar uma regulamentação, obrigando, por exemplo, que as famílias comunicassem sua intenção à autoridade local de ensino e que os estudantes fossem submetidos a avaliações regulares. Na outra ponta, ficaram os ministros Luiz Fux e Ricardo Lewandowski, para quem a Constituição proibia a educação domiciliar – mesma posição da Advocacia-Geral da União, segundo a qual os pais não tinham a escolha entre educar em casa ou na rede de ensino. Fux chegou a afirmar que um dos objetivos da educação seria o de “preservar os filhos dos seus pais”.

Quem considera poder proporcionar a seus filhos uma instrução melhor em casa não deveria ser privado dessa opção

Mas a posição vencedora foi a de Alexandre de Moraes, para quem o Supremo não podia tomar uma decisão por falta de regulamentação legal da prática. Para o ministro, o homeschooling não é inconstitucional, mas também não poderia ser considerado um direito até que haja lei regulamentando o ensino domiciliar. Moraes foi seguido por mais seis colegas, em uma decisão que, no fim, acabou respeitando as prerrogativas do Poder Legislativo, em uma rara ocasião na qual o Supremo abriu mão de exercer aquele ativismo judicial que vem pautando as ações da corte no passado recente.

A decisão (ou “não decisão”, dependendo de como for encarada) deixa as famílias adeptas do homeschooling na mesma situação em que estavam até agora. Pode-se alegar, como fez o advogado Taiguara Fernandes em entrevista ao site Sempre Família , que, pelo princípio de que ao cidadão é permitido tudo o que a lei não proíba expressamente, o ensino domiciliar está permitido. No entanto, a ausência de regulamentação ainda deixa essas famílias à mercê de integrantes do Ministério Público que tenham mentalidade semelhante à da AGU ou de Luiz Fux. Ainda que as ações não prosperem e as famílias vençam na Justiça, a dor de cabeça que elas terão pode ser suficiente para servir de inibidor à prática.

Leia também: O que ganhamos com o homeschooling (artigo de Viviane Canello, publicado em 16 de novembro de 2016)

Leia também: Adeus, família! (artigo de Camila Abadie, publicado em 9 de janeiro de 2016)

Eis, então, a grande responsabilidade do Poder Legislativo: regulamentar de vez o homeschooling para estabelecer a segurança de que as famílias educadoras necessitam. Cinco anos atrás, esta Gazeta do Povo havia defendido que, embora o homeschooling devesse ser entendido como um direito dos pais, que são os principais responsáveis pela educação das crianças, as circunstâncias específicas do Brasil desaconselhavam sua legalização pelo risco de o ensino domiciliar servir de pretexto para casos de verdadeiro abandono intelectual. No entanto, neste período, podemos perceber que muita coisa mudou: os pais adeptos do homeschooling criaram amplas redes de apoio mútuo e a quantidade de recursos disponíveis para essas famílias cresceu exponencialmente. Já não vemos motivo para que o homeschooling seja vedado às famílias, ainda mais quando se considera que o Estado tem falhado em sua missão de proporcionar educação de qualidade às crianças e adolescentes, como atestam diversos índices e avaliações, isso para não falar de casos de doutrinação político-ideológica ou da imposição de padrões morais que agridem as convicções da família. Quem considera poder proporcionar a seus filhos uma instrução melhor em casa não deveria ser privado dessa opção.

Isso não significa, no entanto, que não deva haver uma regulamentação mínima. As sugestões do ministro Barroso parecem bastante razoáveis, como a exigência de que a família “cadastre” o estudante na secretaria municipal ou estadual de Educação, e de que ele seja submetido a avaliações periódicas idênticas às aplicadas aos alunos da rede pública para atestar sua evolução. São itens que poderiam muito bem fazer parte de um projeto de lei que permitisse o homeschooling no Brasil, encerrando de vez a controvérsia e respeitando o direito das famílias de, se assim o desejarem, oferecer a seus filhos uma instrução de qualidade e de acordo com suas convicções.

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