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 | Marcelo Andrade/Arquivo Gazeta do Povo
| Foto: Marcelo Andrade/Arquivo Gazeta do Povo

Ainda sem saber que fim levará o indulto natalino concedido no ano passado – uma das várias controvérsias que o Supremo Tribunal Federal já deveria ter resolvido, mas arrastará para 2019 –, o presidente Michel Temer dá indicações desencontradas sobre a possibilidade de um novo decreto no apagar das luzes de seu mandato. Na véspera de Natal, a informação oficial do Planalto era a de que não haveria indulto neste ano, mas na terça-feira a informação era a de que Temer havia mudado de ideia. E, na quarta, dia 26, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse que “a hipótese está sob exame”.

Havendo indulto, tudo indica que o argumento decisivo terá vindo do defensor público-geral em exercício, Jair Soares Júnior, que mandou ofício ao Planalto afirmando que “caso não seja editado decreto de indulto em 2018 este será o primeiro ano, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, em que não se concede indulto como política criminal que visa combater o encarceramento em massa”. Deixando de lado o fraco argumento do costume – também evocado, aliás, pelo ministro do STF Marco Aurélio Mello –, já que ninguém é obrigado a manter um costume absurdo, a afirmação do defensor público deixa claro que o indulto é um instrumento de “política criminal” para conter o “encarceramento em massa”, afirmações que mostram como o indulto reflete muito do que há de errado com o país no campo da segurança pública.

Não há como dizer que no Brasil prende-se muito quando uma porcentagem ínfima dos crimes é solucionada ou resulta em condenação

A própria ideia de “encarceramento em massa” deixa implícito que no Brasil se prende demais, outra afirmação repetida constantemente, usando como dado o fato de o país ter a terceira maior população carcerária do mundo, atrás apenas de Estados Unidos e China. O número não deveria surpreender, já que o Brasil tem a sexta maior população mundial. Quando se analisa o número proporcional, de pessoas encarceradas para cada 100 mil habitantes, a situação é bem diferente. Os dados do World Prison Brief do Birkenbeck College, da Universidade de Londres, colocam o Brasil na 26.ª colocação.

Não há como dizer que no Brasil prende-se muito quando uma porcentagem ínfima dos crimes é solucionada ou resulta em condenação. Anos atrás, a série Crime sem Castigo, da Gazeta do Povo, analisou os inquéritos e processos referentes aos homicídios cometidos em Curitiba e região metropolitana entre 2004 e 2013. Apenas 23% dos casos foram solucionados, contra 65% nos Estados Unidos, 80% na França e 90% no Reino Unido. E ínfimos 4% dos casos tiveram condenação judicial do homicida. Se é assim nos casos de homicídio, o que dizer de ladrões, assaltantes, estupradores, traficantes, pessoas que deveriam, sim, estar atrás das grades? Definitivamente, prende-se pouco no Brasil.

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A outra faceta do “encarceramento em massa” trata do déficit de vagas no sistema prisional, que é, de fato, um problema real, assim como a grande proporção de detentos que ainda aguardam julgamento. O resultado é, além da superlotação pura e simples, já suficiente para transformar as cadeias em panelas de pressão, a convivência indesejada entre presos condenados e provisórios e a mistura entre autores de crimes gravíssimos e outros de menor gravidade.

Mas a esta omissão do poder público é preciso responder com maior investimento na construção de presídios – superando a falsa dicotomia entre “construir cadeias” e “construir escolas” que tantos ideólogos repetem; afinal, não há sociedade que não precise de ambas – e maior agilidade do Poder Judiciário para que os presos que aguardam julgamento possam finalmente ter sua situação definida. Indultos não são a resposta adequada porque apenas reforçam a cultura de impunidade. Afinal, um criminoso já tem uma enorme chance de escapar impune do crime que comete. Se tiver o enorme azar de ser identificado e pego, ainda pode escapar da condenação. Se efetivamente começar a cumprir pena, jamais terá de passar muito tempo na cadeia, graças a progressões de regime e, finalmente, indultos. Essa política transforma o Código Penal, que prescreve tempos de reclusão para cada crime, em letra morta, quando não em piada. Esta certeza da impunidade – ou de uma punição que jamais é levada integralmente a cabo – não poderia ser incentivo maior para o crime.

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