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| Foto: Drew Angerer/AFP

A equipe de Donald Trump perdeu dois pesos-pesados em poucos dias. Um deles saiu por conta própria: Gary Cohn, conselheiro econômico da Casa Branca, pediu demissão em 6 de março após o presidente anunciar o início de sua “guerra comercial”, com a adoção de tarifas sobre o aço e o alumínio importados. Uma semana depois, Trump demitiu seu secretário de Estado, Rex Tillerson – o ex-secretário foi praticamente o último a saber, já que Trump não o avisou antes de tuitar sobre a substituição de Tillerson pelo até então diretor da CIA, Mike Pompeo. Mas a demissão não chega a ser uma grande surpresa, já que o presidente e seu então secretário de Estado já tinham divergido sobre temas importantes. As saídas de Cohn e Tillerson provocam uma reflexão sobre os rumos que o governo Trump tem tomado.

Apesar da guinada protecionista recente de Donald Trump, no campo econômico o presidente tem colhido alguns bons resultados. Os indicadores de emprego e renda vão bem, e sua administração promoveu dois grandes avanços: a maior desregulamentação das últimas décadas – no início de seu mandato, o objetivo era cancelar duas medidas a cada novo ato de regulamentação adotado, e a meta tem sido atingida com facilidade, mesmo se o governo estiver exagerando ao alegar uma proporção de 22 regras extintas para cada nova regulamentação. Além disso, Trump promoveu um grande corte de impostos, especialmente para empresas. E, no campo moral, o presidente tem se mostrado um defensor da liberdade religiosa e do direito à vida desde a concepção, por exemplo cortando o financiamento público federal a organizações que promovem o aborto em outros países – embora Trump pudesse fazer mais, já que não vetou o financiamento à Planned Parenthood aprovado pelo Congresso em sucessivas ocasiões.

Diminuir o interlocutor, em vez de apresentar contrapontos às suas ideias, é negar-lhe dignidade

Mas qualquer entusiasmo que essas ações de Trump possam despertar naqueles que compartilham das mesmas ideias empalidece diante da mentalidade de fundo que o guia – e que ele não faz questão de esconder, e não se incomoda em ver propagada nos Estados Unidos. Um país cuja grandeza deriva, entre outros aspectos, do enorme apreço que tem pela democracia está sendo governado por um autocrata, que ou não tem a menor noção sobre como funciona a dinâmica política e democrática que leva à formação de consensos ou maiorias em prol de uma causa, ou, se a conhece, também a repudia, convencido de que a vontade do líder tem de ser seguida a qualquer custo. Isso gera tanta ojeriza que mesmo as boas ideias que Trump tem acabam contaminadas: ou não são implantadas ou, quando o são, acabam mal vistas por parte significativa da opinião pública devido ao modo como são levadas adiante.

O presidente tem demonstrado um grande desprezo pelo debate de ideias, confundindo firmeza com grosseria e achando necessário responder – quase sempre com insultos ou bravatas, quase nunca com argumentos – no Twitter a toda crítica que recebe de alguma personalidade. Ainda que, em determinados momentos, Trump tenha lampejos de estadismo, como no seu primeiro Discurso sobre o Estado da União, no dia a dia o presidente da nação que um dia se propôs a ser um guia moral do planeta alimenta aos poucos uma polarização agressiva. E pouco importa que a oposição democrata também entre no jogo e acirre os ânimos: a missão do presidente é a de agregar os americanos em torno de seus objetivos, não o de fomentar a divisão. Essa truculência não pode ser minimizada como mera questão de estilo: diminuir o interlocutor, em vez de apresentar contrapontos às suas ideias, é negar-lhe dignidade, em uma nova afronta à democracia.

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Além disso, Trump tem trabalhado para erodir instituições e liberdades caras aos americanos. Os seus esforços para fazer naufragar uma investigação do FBI sobre o envolvimento da Rússia em atividades de desinformação que teriam influenciado o resultado da eleição – em maio de 2017, Trump demitiu o diretor do FBI, James Comey – são dignos de repúblicas bananeiras em que as instituições trabalham para o governante e não para o Estado. E seu ataque generalizado à imprensa (mesmo reconhecendo que diversas publicações alinhadas do centro para a esquerda no espectro político têm feito oposição a Trump e, em algumas ocasiões, foram atropeladas pela realidade, não reconhecendo as ações corretas e prevendo apocalipses que nunca vieram), investindo contra sua credibilidade como um todo em vez de desmentir pontualmente o que precisa ser desmentido, é um insulto à memória de um dos pais fundadores dos EUA, Thomas Jefferson, que preferia um país com jornais e sem governo a um com governo e sem jornais.

Por mais que saibamos que as instituições sobreviverão a este ataque, é alarmante ver como americanos e não americanos têm aderido incondicionalmente a Trump com base nos resultados que obtém, fechando os olhos a todo o resto, como se essa fosse a única maneira de responder àqueles que, na oposição democrata e em setores da opinião pública, apenas criticam o estilo de Trump sem reconhecer o que suas medidas têm conseguido. Depois do tristemente famoso “rouba, mas faz” que ainda sobrevive no Brasil, os apoiadores de Trump inauguram o “atropela, mas faz”, sem considerar as consequências nefastas dessa mentalidade.

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