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A manifestação de alguns setores do PT não foi suficiente para que a presidente Dilma Rousseff deixasse de confirmar o nome de Joaquim Levy como o novo ministro da Fazenda, substituindo o desacreditado Guido Mantega. Na terça-feira passada, comentamos as credenciais passadas de Levy e lembramos que elas fazem dele um bom nome para assumir o comando da economia em um momento tão delicado.

De fato, são inúmeros os desafios. A inflação persiste acima do teto da meta do Banco Central no acumulado dos últimos 12 meses – pelos dados mais recentes, referentes a setembro de 2014, este acumulado está em 6,59%. Ainda que o índice termine o ano dentro do limite de tolerância, o governo parece ter perdido a noção de que o teto da meta é justamente isso – um limite de tolerância –, contentando-se em não estourá-lo em vez de perseguir o centro da meta, que é de 4,5%.

A inflação alta, que castiga de forma especial os mais pobres, convive com um crescimento pífio que, de acordo com todas as previsões, não deve superar o 0,5% em 2014. Se mantida, esta combinação perigosa, mais cedo ou mais tarde, terá reflexos nos índices de desemprego, que só não começaram a subir ainda porque costumam ser o último indicador afetado nessas situações. No entanto, episódios de demissões e suspensões temporárias de contratos estão ficando cada vez mais frequentes.

Combinada a tudo isso está a incapacidade crônica do governo de manter suas contas em ordem, até o ponto em que a "criatividade contábil" (o eufemismo favorito do governo para a manipulação de estatísticas) já não dá mais conta do rombo, forçando o Planalto a buscar desesperadamente apoio do Congresso para mudar o orçamento e escapar de penas mais severas. Em resumo, endireitar tudo isso não será tarefa fácil para Levy e sua equipe.

O mercado vem reagindo bem ao nome, desde que ele foi anunciado. No entanto, restam duas grandes dúvidas, que estão interligadas. Afinal, depois de 26 de outubro o governo vem fazendo basicamente tudo aquilo de que acusou seus adversários durante a campanha eleitoral. Basta lembrar que a taxa básica de juros, a Selic, subiu na semana seguinte à reeleição de Dilma. E mesmo a indicação de Levy, oriundo do Bradesco, não deixa de ser incoerente com uma campanha que, primeiro, bombardeou Neca Setúbal, herdeira do Itaú e coordenadora do plano de governo de Marina Silva; e, depois, previu o apocalipse caso Aécio Neves vencesse e colocasse Armínio Fraga na Fazenda, como havia prometido.

Aliás, a julgar pelo currículo, Levy estaria até à direita de Fraga (de quem foi aluno e colaborador), pois tem doutorado na Universidade de Chicago, conhecida por seu viés liberal, e trabalhou no FMI, enquanto Fraga, com doutorado em Princeton, trabalhou para o megainvestidor George Soros, um entusiasta do Partido Democrata norte-americano. E aqui reside o primeiro dilema. A presidente que enganou seus eleitores, fazendo após a eleição o contrário do que prometeu durante a campanha, poderia estar enganando o mercado ao apontar um nome "ortodoxo", mas sem ter a menor intenção de colocar em prática aquilo que Levy defende? Gilberto Carvalho, ministro da Secretaria-Geral da Presidência, disse ainda ontem que, "ao aceitar ser ministro desse projeto, ele [Levy] está aderindo a esse projeto e à filosofia econômica desse projeto".

É justamente o grau de autonomia que o novo ministro terá que constitui a segunda dúvida. Se, em vez de deixar Levy fazer o que acredita ser o correto para botar de volta a economia nos trilhos, Dilma insistir no que Carvalho chama de "projeto", ou seja, as convicções que trouxeram o país ao mau estado em que se encontra hoje, é improvável que Levy siga na cadeira por muito tempo, e ainda mais improvável que o país consiga retomar o crescimento e conter a inflação. Resta torcer para que Carvalho esteja errado em sua avaliação.

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