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Editorial

Operações contra o PCC revelam um conglomerado do crime

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Investigações apontam que o PCC atuava em toda a cadeia de combustíveis, desde a importação até a venda ao consumidor. (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

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Já há um bom tempo se sabia que o Primeiro Comando da Capital (PCC) estava expandindo suas atividades para muito além do tráfico de drogas: a fação criminosa estava lavando enormes somas com empresas de ônibus e financiando campanhas políticas, tentando infiltrar-se sorrateiramente na política e no sistema judicial. Mas o que as operações Quasar, Tank e Carbono Oculto, deflagradas dias atrás, mostraram ao país é um retrato muito mais assustador a respeito de como o PCC ganhou status de máfia, espalhando tentáculos sobre muitos outros setores da economia e da sociedade, e movimentando quantias na casa das dezenas de bilhões de reais.

Do que se sabe até o momento, os criminosos resolveram dominar de ponta a ponta a cadeia de fornecimento de combustíveis, adquirindo fazendas produtoras de cana-de-açúcar, usinas produtoras de etanol, importadoras de combustíveis e postos, recorrendo a ameaças de morte contra quem se negava a vender seus negócios para o PCC. Os criminosos ainda importavam produtos para adulterar os combustíveis vendidos nos postos pertencentes aos laranjas da facção, além de usar notas frias para sonegar impostos, resultando em ganhos bilionários para os bandidos e perdas enormes aos consumidores e aos concorrentes. Segundo as investigações, só nesta atividade o PCC movimentou R$ 52 bilhões entre 2020 e 2024.

Esses gigantescos conglomerados do crime que mesclam atividades legais e ilegais não serão derrotados com polícias, MPs e Receitas agindo isoladamente

A outra frente da investigação mostra como a facção usou o mercado financeiro para lavar dinheiro – inclusive o dinheiro usado na compra de unidades da cadeia de combustíveis. A Receita Federal informou que o PCC movimentava R$ 30 bilhões em fundos de investimento: os criminosos, primeiro, lavavam o dinheiro usando fintechs, e depois o aplicavam em fundos multimercado e imobiliários. Além de usinas e caminhões-tanque, o PCC comprou um terminal portuário e mais de 100 imóveis, incluindo uma residência de R$ 13 milhões em Trancoso (BA). Brechas regulatórias foram aproveitadas pelos criminosos ao usar as fintechs – um elemento que deu margem a muito oportunismo político logo após a deflagração das operações policiais.

Com uma sincronia formidável, membros do governo (como o ministro Fernando Haddad e o secretário da Receita, Robson Barreirinhas) e seus aliados na opinião pública elegeram o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) como bode expiatório. Mesmo quem não citou o nome do parlamentar deixou bastante clara a intenção de associar o esquema bilionário do PCC ao vídeo viral, publicado em janeiro deste ano, em que Nikolas criticava uma portaria da Receita Federal sobre movimentações usando o Pix. No entanto, foi o próprio governo que, em vez de explicar e defender a normativa, preferiu revogá-la culpando a “desinformação” – e ainda teve de amargar a revelação de um documento interno da Receita que não explicitava o combate à lavagem de dinheiro entre os motivos para as novas regras, ao contrário do que afirmavam as autoridades.

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Esse oportunismo é o maior risco para o combate ao crime organizado, seja por mirar em alvos errados, seja porque disputas pela paternidade de uma operação bem-sucedida (embora tenha havido problemas, como o fato de a maioria dos alvos dos mandados de prisão não ter sido localizada) atrapalham a possibilidade de novas cooperações. O trio de operações contra o PCC só teve sucesso porque houve um formidável trabalho conjunto de inteligência envolvendo órgãos federais e estaduais; esta colaboração tem de ser a regra, pois esses gigantescos conglomerados do crime que mesclam atividades legais e ilegais não serão derrotados com polícias, MPs e Receitas agindo isoladamente. A asfixia econômica das máfias criminosas é a melhor forma de enfraquecê-las, mas um desafio destas dimensões exigirá muitas novas operações de desarticulação e marcos legais que dificultem a operação das facções.

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