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 | Cleia Viana/Câmara dos Deputados
| Foto: Cleia Viana/Câmara dos Deputados

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, se aproveitou de uma regra anacrônica que lhe permitiu ocupar temporariamente a Presidência da República para dar um presente de Natal antecipado a prefeitos de todo o Brasil. Maia sancionou o projeto de lei que o Congresso Nacional havia aprovado semanas antes, flexibilizando regras da Lei de Responsabilidade Fiscal. A partir de agora, os prefeitos e os municípios cujos gastos com pessoal ultrapassarem o limite determinado pela LRF, de 60% da receita corrente líquida, não sofrerão punições, se ficar comprovado que o município sofreu uma queda de mais de 10% em sua receita, decorrente ou de redução de transferências do Fundo de Participação dos Municípios, ou de diminuição em royalties e outras participações especiais.

O projeto contraria todo o esforço que começou a ser feito desde a LRF, no nem tão distante ano de 2000, para que os gestores públicos mostrassem alguma racionalidade na maneira como gastam o dinheiro tirado do contribuinte por meio dos impostos. Era imprescindível colocar um limite às despesas com pessoal, ativo e inativo, para que a folha de pagamento não tomasse todo o orçamento, deixando ao prefeito margem para outras despesas e os necessários investimentos.

O país deveria estar discutindo meios de proporcionar equilíbrio fiscal aos municípios

Diante de uma redução na receita, o caminho lógico é a readequação das despesas. Funciona assim nas residências, nas empresas, e também deveria ser assim no poder público. A Constituição e a LRF já apontavam o caminho para se manter as despesas com pessoal dentro do limite legal: demissão de servidores não estáveis, por exemplo. Se mesmo assim o limite não for cumprido, autoriza-se até mesmo o corte no funcionalismo concursado, desde que feito de acordo com o artigo 169, parágrafo 4.º, da Constituição. O descumprimento dos limites da LRF traz consigo uma série de punições, como restrições à tomada de crédito, justamente para que os gestores não se acomodem com situações disfuncionais.

O projeto aprovado na Câmara nega essa lógica, dispensando o administrador de encontrar soluções sustentáveis para o problema de caixa que vier a enfrentar. Além disso, ele cria um perigoso precedente. Afinal de contas, se os prefeitos podem se livrar das punições nesses casos específicos, o que impede o legislador de acrescentar, futuramente, outras circunstâncias que permitam a anistia? E mais: se a leniência se aplica aos prefeitos, por que não aos governadores, que também passam por desafios semelhantes?

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O país deveria estar discutindo meios de proporcionar equilíbrio fiscal aos municípios: revisão do pacto federativo, reforma tributária, fusão de municípios inviáveis que dependem do FPM para se sustentar. Em vez disso, o Congresso tenta encontrar meios de perpetuar a desordem fiscal, aliviando a vida de prefeitos em apuros. Não é à toa que as áreas técnicas dos ministérios da Fazenda do Planejamento haviam recomendado o veto ao projeto de lei vindo do Congresso, e Michel Temer planejava seguir essa recomendação.

Ocorre que o presidente da República resolveu postergar a decisão, já que tinha até 28 de dezembro para sancionar ou vetar o texto. Nesse meio tempo, veio a viagem ao Uruguai para uma reunião do Mercosul. Maia assumiu a caneta presidencial – graças a uma regra estipulada na época em que a comunicação do mandatário em viagem com o Brasil era difícil, mas que as tecnologias de comunicação tornaram obsoleta – e aproveitou a oportunidade para ficar bem com prefeitos de todo o país. A lentidão de um e a esperteza de outro se combinaram para tornar possível este retrocesso demagógico.

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