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Ainda antes do bate-boca e do espetáculo lamentável na sessão da Câmara que definiu, nesta terça-feira, a composição de boa parte da comissão especial que vai analisar o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff, deputados e senadores já estavam discutindo se os trabalhos deveriam ocorrer respeitando-se o calendário parlamentar normal (com um recesso que começa em 22 de dezembro e se estende por todo o mês de janeiro de 2016), ou se o recesso deve ser abolido, com descanso apenas nas festas de fim de ano e retomada da atividade parlamentar em janeiro. A oposição, inicialmente, queria acelerar o processo, enquanto o governo criticava a ideia. Em um espaço de poucos dias, ambos os lados haviam invertido suas posições.

Há diversos fatores que contribuem para a elaboração de uma estratégia sobre o timing do processo de impeachment. O mais óbvio é a “competição” pela atenção do brasileiro proporcionada pelas festas de fim de ano, as férias de janeiro e a época pré-carnavalesca (em 2016, o carnaval cai em 9 de fevereiro), mas há outros elementos importantes a levar em consideração, como o desempenho da economia. Muitos dos que perderam o emprego no segundo semestre de 2015 e não encontraram recolocação ainda estão recebendo as parcelas finais do seguro-desemprego, o que mitiga as dificuldades das famílias que passam por essa situação. A indignação contra o governo, cuja política econômica está na raiz da crise pela qual o país passa, tende a aumentar à medida que os brasileiros ficam sem suas fontes de renda.

Parece-nos muito pouco razoável que os deputados se dediquem a um prolongado descanso quando há um assunto dessa relevância a resolver

E esse aspecto é um dos principais ingredientes da “receita” do impeachment, que exige a existência concreta de crimes de responsabilidade – ocorridos com as “pedaladas” e outras irregularidades –, apoio popular e das instituições da sociedade civil organizada. Se as manifestações do primeiro semestre de 2015 estão entre as maiores que o país já viu, também é verdade que elas perderam parte de sua força (as passeatas convocadas para este domingo, dia 13, serão o primeiro teste da indignação popular com o processo de impeachment em andamento no Congresso).

Quanto às instituições, elas estão imóveis. Basta olhar o que houve com alguns dos protagonistas do impeachment de Fernando Collor, em 1992: a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem na presidência um aliado de José Sarney, que por sua vez está fechado com o petismo; a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) emprestou sua sede no Rio, em fevereiro, para o lamentável “ato em defesa de Petrobras” no qual Lula convocou o “exército do Stédile”, em referência ao líder do MST; das entidades estudantis, como a UNE, nem é necessário dizer nada.

Assim se pode entender melhor os posicionamentos. O governo quer aproveitar que a mobilização popular esfriou e que o fim do ano desvia as atenções do que acontece em Brasília para resolver tudo rapidamente, salvando Dilma antes que a crise piore; a oposição quer tempo para colocar de novo o povo na rua, intensificando a pressão sobre os deputados e acordando as instituições que não estão cooptadas pelo lulopetismo.

São considerações nas quais a decisão a tomar é determinada pela maior ou menor possibilidade deste ou daquele resultado final. Fugindo dessa “ética de resultados”, parece-nos muito pouco razoável que os deputados se dediquem a um prolongado descanso quando há um assunto dessa relevância a resolver – a protelação, inclusive, pode ser vista pela opinião pública não como estratégia, mas como descaso. Melhor seria abolir o recesso e dar continuidade ao processo de impeachment. Não o dizemos por desejar a absolvição de Dilma – pelo contrário: estamos convictos da existência de crimes de responsabilidade. E por isso não basta exigir apenas celeridade dos parlamentares; também é preciso cobrar deles a responsabilidade para que façam a coisa certa e não deixem os ilícitos sem punição.

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