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Antes dos recentes entendimentos entre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e o governo, confiava-se em uma estratégia para levar adiante um pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff: ele inicialmente recusaria todos os pedidos para evitar que sua aceitação fosse vista como um ataque pessoal ao governo. A oposição recorreria ao plenário para que, em pelo menos um dos casos (provavelmente o do pedido assinado por Hélio Bicudo, Miguel Reale Jr. e Janaina Paschoal), a questão fosse levada ao plenário. Lá, bastaria maioria simples dos presentes para reverter a decisão de Cunha e colocar para andar a apreciação de um processo de impeachment. Não se trataria do impedimento em si: para ocorrer o afastamento da presidente, ainda seria exigida nova votação em plenário, com maioria de dois terços da Câmara (ou 342 votos).

O roteiro está previsto no Regimento Interno da Câmara dos Deputados, em seu artigo 218, que no parágrafo 3.º prevê que “do despacho do presidente [da Câmara] que indeferir o recebimento da denúncia caberá recurso ao plenário”. Mas três liminares concedidas por dois ministros do Supremo Tribunal Federal na terça-feira travaram essa possibilidade – duas delas se referem a mandados de segurança impetrados pelos deputados Wadih Damous (PT-RJ) e Rubens Pereira Jr. (PCdoB-MA) e foram concedidas respectivamente por Teori Zavascki e Rosa Weber. A terceira liminar, também de Rosa Weber, é resultado de uma reclamação feita pelos deputados Paulo Teixeira (PT-SP) e Paulo Pimenta (PT-RS). Damous questionou as regras do processo de impeachment da maneira como haviam sido lidas por Cunha em setembro, como resposta a uma questão de ordem feita por Mendonça Filho (DEM-PE). O deputado petista reclamou que o recurso apresentado por ele contra a resposta de Cunha foi tratado pelo presidente da Câmara não como recurso, mas como uma nova questão de ordem, o que desrespeitaria o regimento. Ao agir desta forma, Cunha deixou o fio solto pelo qual acabou pego no Supremo: Zavascki decidiu “determinar a suspensão da eficácia do decidido na Questão de Ordem nº 105/2015, da Câmara dos Deputados”, caminho seguido também por Rosa Weber.

Não é possível desviar do que prescrevem a Constituição Federal, a Lei 1.079/1950 e o Regimento Interno da Câmara

No texto da liminar, antes de deixar clara sua decisão, Rosa Weber escreveu que o que está em jogo não é um mero procedimento interno do Legislativo, e sim uma ação com reflexos em um outro poder – e reflexos nada insignificantes: trata-se da eventual remoção de um presidente da República. Por isso, há de se proceder com respeito completo às leis. E nisso Rosa Weber tem toda a razão. Eis por que se justifica a cautela empregada pelo STF em conceder as liminares. Não é possível desviar do que prescrevem a Constituição Federal, a Lei 1.079/1950 e o Regimento Interno da Câmara. Mas, ao mesmo tempo, há diversas situações que não necessariamente estão contempladas por esses três textos. O que fazer, por exemplo, diante de tentativas de atrasar o processo? Um partido pode se recusar a indicar membros para a comissão especial; um relator pode adotar uma inexplicável lentidão; o governo pode recorrer à obstrução para impedir a votação do parecer. É inevitável que em algum momento haja uma modulação, e é melhor definir todos esses pormenores agora que fazê-lo durante o andamento de um eventual processo de impeachment.

Um pormenor da decisão de Rosa Weber, no entanto, merece um destaque especial. Ela determinou que o presidente da Câmara não possa “receber, analisar ou decidir qualquer denúncia ou recurso contra decisão de indeferimento de denúncia de crime de responsabilidade contra a presidente da República”, em referência ao procedimento descrito no parágrafo 3.º do artigo 218 do regimento. Ou seja, se Eduardo Cunha engavetar algum pedido de impeachment e um deputado recorrer da decisão, Cunha não poderá fazer nada em relação a esse recurso enquanto valer a liminar. A possibilidade de recurso contra uma decisão monocrática do presidente da Câmara não pode ser chamada de “invenção recente”: a redação do artigo 218 foi definida em 1992. E nos parece razoável que exista essa provisão, pois é consentânea com o espirito democrático de defesa das minorias – e inclusive das maiorias, pois permite que, em casos nos quais a maioria claramente deseja um objetivo, ele não seja inviabilizado pela vontade de um único parlamentar. Além disso, é importante lembrar que a eventual votação em maioria simples serve apenas para decidir se o rito do impeachment terá início. Essa votação não é a do impedimento propriamente dito, que seguirá necessitando de dois terços da casa.

De qualquer modo, fundamental a essa altura é que o Supremo analise com presteza o mérito da questão. Se as liminares em si não configuram interferência indevida do Judiciário sobre o Legislativo, uma demora na resolução desse impasse certamente o seria, por atar as mãos da Câmara dos Deputados em um processo que só ela pode realizar. Se o impeachment realmente virá, não nos cabe dizer; mas suas regras precisam ser esclarecidas o quanto antes.

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