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O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, se reuniu com o relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI).
O vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin, se reuniu com o relator-geral do Orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI).| Foto: Pedro França/Agência Senado

Após descartar a possibilidade de assinar uma medida provisória logo no início do novo governo para abrir crédito extraordinário, a equipe do presidente eleito Lula trabalha agora na elaboração de uma proposta de emenda à Constituição, já apelidada de “PEC da Transição”, que deve fazer um novo buraco no teto de gastos. Se aprovado, o texto permitiria ao governo gastar além do limite constitucional para cumprir duas promessas de campanha do petista: o reajuste acima da inflação para o salário mínimo e a manutenção do Auxílio Brasil (que voltará a se chamar Bolsa Família) em R$ 600. O cheque pretendido por Lula ainda não tem valor definido; segundo participantes de uma reunião ocorrida na semana passada entre os membros da equipe de transição, pelo lado do petista, e o senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator do Orçamento de 2023, é possível que a PEC não traga valores definidos, mencionando apenas os tipos de despesas que não estariam submetidos à regra do teto.

A aversão do petismo a mecanismos de responsabilidade fiscal como o teto é amplamente conhecida, mas, justiça seja feita, se Jair Bolsonaro tivesse derrotado Lula no segundo turno, ele provavelmente necessitaria de algo muito semelhante à PEC da Transição. Aprovada em meados de 2022, a PEC dos Benefícios previa o Auxílio Brasil de R$ 600 apenas até o fim deste ano, e o projeto de lei orçamentária enviado pelo governo ao Congresso não contemplava a manutenção deste valor em 2023, o que faria o valor pago regredir aos R$ 400 originais. Portanto, não é como se a situação fiscal do país estivesse completamente organizada e o petismo estivesse trazendo a terra arrasada; por mais que o ministro Paulo Guedes dissesse que “o fiscal está forte” à época da tramitação da PEC dos Benefícios, o Brasil estava, sim, se desviando da rota da responsabilidade fiscal que marcou o início do governo Bolsonaro: Executivo e Legislativo buscaram várias formas de contornar o teto, como o próprio Guedes admitiu em agosto.

O desarranjo fiscal causa inflação e destrói a confiança do investidor brasileiro e estrangeiro, algo que apenas os economistas “desenvolvimentistas” insistem em ignorar a essa altura do campeonato

O perigo está na frequente transformação do temporário em permanente. Alguns dos economistas que anunciaram seu apoio a Lula durante a campanha dariam uma enorme contribuição ao país se convencessem seus pares “desenvolvimentistas” (um eufemismo para “gastadores”) de que será preciso retomar o ajuste fiscal na primeira oportunidade, pois o desarranjo causa inflação e destrói a confiança do investidor brasileiro e estrangeiro no futuro fiscal do país, algo que apenas os “desenvolvimentistas” insistem em ignorar a essa altura do campeonato. Da última vez que um embate parecido ocorreu em um governo petista, Joaquim Levy, que uma Dilma Rousseff reeleita chamou para acalmar o mercado, perdeu a queda de braço contra Nelson Barbosa – o então ministro do Planejamento acabou assumindo a Fazenda em dezembro de 2015.

Aliados de Lula como o senador Renan Calheiros (MDB-AL) são contrários ao uso de uma PEC porque ela exigiria, nas duas casas, apoio que Lula não tem, forçando-o a barganhar com o Centrão ainda antes de tomar posse. E a necessidade de uns é a oportunidade para outros: é o caso de Arthur Lira (PP-AL). O presidente da Câmara dos Deputados conversou por telefone com Lula logo depois do anúncio do resultado do segundo turno, deve se encontrar pessoalmente com o petista e alimenta a esperança de receber o apoio do PT para seguir à frente da casa legislativa no biênio 2023-24. Se aprendeu algo com Eduardo Cunha, o petismo pensará muitas vezes antes de arrumar problemas com um presidente da Câmara e pode muito bem abraçar quem se portou como fiel escudeiro de Bolsonaro nos últimos tempos, caso isso garanta a famosa “governabilidade”.

Quem também observa as negociações com interesse são todos os parlamentares beneficiados com as emendas de relator, um mecanismo cuja imoralidade denunciamos desde o início; caso o novo governo se mostre mais tolerante com esse instrumento, podemos até mesmo apostar no fim da expressão “orçamento secreto”, usada pelos críticos de Bolsonaro na imprensa e na política para se referir a essas emendas. O ideal, no entanto, seria a sua extinção, ao menos na forma como vem sendo empregadas atualmente – o objetivo original das RP9 era corrigir pequenos erros ou omissões na lei orçamentária, nada mais que isso. O presidente do PSD, Gilberto Kassab, que pode colocar seu partido na base aliada de Lula, afirmou que o presidente eleito quer acabar com as emendas de relator. Este seria um pequeno, mas importante passo na direção de algum controle fiscal – desde, evidentemente, que as emendas não acabem substituídas, como meio de conquista de apoio parlamentar, por meios semelhantes aos que o PT usou quando já esteve no Planalto, como o mensalão e o petrolão.

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