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Quando tomou posse no cargo de procurador-geral da República, Paulo Gonet mencionou “um dever indeclinável de combater a corrupção”, afirmando que a sociedade espera do MP “que atuemos firmemente na cobrança dessas responsabilidades, na investigação dos fatos que importem falta a esses compromissos, em busca de punição e reparação justas”. Mas “punição e reparação justas” é exatamente aquilo de que a Procuradoria-Geral da República abriu mão em um caso escandaloso, que pavimenta o caminho para mais impunidade no futuro: o das rachadinhas atribuídas ao deputado André Janones (Avante-MG).
Em outubro do ano passado, a PGR, mesmo tendo concluído que havia indícios do crime de peculato, preferiu oferecer ao deputado – um aliado de Lula e especialista em espalhar fake news contra adversários, algo que ele nem sequer disfarça – a possibilidade de um acordo de não persecução penal. O acordo foi assinado no início deste mês, e prevê que Janones simplesmente reconheça que cometeu crime, devolva R$ 131 mil à Câmara dos Deputados, e pague multa de R$ 26 mil – boa parte desse valor será paga em parcelas, ainda por cima. Em troca, o deputado escapa do processo penal.
Abrir mão do oferecimento de denúncia contra Janones de uma punição bastante provável, dados os indícios encontrados pela PGR, poderá ajudar na “reprovação e prevenção do crime”? É certo que não
O acordo de não persecução penal é medida prevista no artigo 28-A do Código de Processo Penal, aplicando-se em casos de crimes cometidos “sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a quatro anos”, e desde que o acordo seja “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. O primeiro quesito é objetivo e de fato está cumprido no caso de Janones, mas e quanto ao segundo? Como é que abrir mão do oferecimento de denúncia e de uma punição bastante provável, dados os indícios encontrados pela PGR, poderá ajudar na “reprovação e prevenção do crime”?
A resposta óbvia é: não ajuda. Um acordo seria aceitável, por exemplo, se ajudasse a desvendar um esquema ainda maior, o que não é o caso: Janones é o “cabeça” desse escândalo e, sendo um deputado, representante eleito do povo, faria sentido exigir dele um padrão ainda maior de moralidade, e puni-lo à altura por não atingir tal padrão. No máximo, a confissão e a devolução dos valores poderiam ser usados como atenuante em caso de condenação; mas, ao fazer delas um motivo para não levar adiante um processo criminal, a PGR “deu o caminho das pedras para que parlamentares Brasil afora possam praticar a rachadinha com impunidade e temer apenas um tapinha no pulso se forem pegos no ato em algum momento no futuro”, como afirmou em seus perfis nas mídias sociais o ex-procurador e ex-deputado Deltan Dallagnol.
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Dallagnol ainda aproveitou para lembrar o duplo padrão da PGR, que facilita a vida de Janones enquanto pede a prisão do senador Sergio Moro por uma piada de festa junina e atropela todos os princípios do devido processo legal para pedir penas exorbitantes aos manifestantes do 8 de janeiro em denúncias genéricas, sem individualização da conduta. Por mais que o ministro Luiz Fux, do STF, ainda tenha de homologar o acordo, Dallagnol também lembrou que a suprema corte padece do mesmo duplo padrão, pois tem aplicado condenações absurdas aos réus do 8 de janeiro e abre inquéritos até mesmo para investigar falas de parlamentares na tribuna do Congresso, enquanto anula compulsivamente todos os atos da maior operação de combate à corrupção da história do país.
Piadas em festas juninas, frases escritas com batom em estátuas, crítica legítima a agentes públicos – inclusive aquela feita no ambiente onde o discurso deveria ser totalmente protegido: para a PGR e o STF, a julgar pela forma como investigações e julgamentos são conduzidos, tudo isso é mais grave que a corrupção praticada e confessada. E ainda há quem queira desqualificar os relatórios que apontam para a deterioração do combate à ladroagem no Brasil. O caso de Janones é apenas mais um a demonstrar que o Brasil que “voltou”, para citar o slogan usado por um certo ex-condenado por corrupção, é aquele onde o crime de colarinho branco compensa, e muito.



