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Editorial

Congresso e Planalto contra a responsabilidade fiscal

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Plenário do Senado: falta apenas uma votação para PEC que altera regras sobre contabilidade dos precatórios na meta fiscal. (Foto: Andressa Anholete/Agência Senad)

A disputa entre o Congresso Nacional e o governo Lula por causa da elevação das alíquotas de IOF definitivamente ficou no passado. Todo o discurso indignado de congressistas contra a irresponsabilidade fiscal do Planalto, que se recusa a cortar despesas e insiste em tirar cada vez mais dinheiro do pagador de impostos brasileiro, virou pó diante do que está prestes a ser aprovado no Legislativo federal, faltando apenas uma votação no Senado: uma emenda à Constituição que desmoraliza ainda mais o medíocre arcabouço fiscal e facilita a vida tanto do governo quanto dos congressistas.

Já faz um bom tempo que Brasília brinca com os precatórios – as dívidas do governo com pessoas ou empresas, reconhecidas definitivamente pela Justiça. Em 2021, ainda no governo de Jair Bolsonaro, o Congresso aprovou uma PEC que permitiu à União pagar apenas parte dos precatórios que venciam entre 2022 e 2026, abrindo espaço no orçamento para aumentar o valor do Auxílio Brasil. Em 2023, primeiro ano do terceiro mandato de Lula, foi a vez de o favor vir do STF, que acabou com o teto anual de pagamento de precatórios instituído em 2021, mas permitiu que parte desses pagamentos ficasse fora do cálculo da meta fiscal até 2026. Em 2027, no entanto, tudo voltaria ao normal. É aqui que entra a PEC 66/2023, já aprovada na Câmara e em uma votação no Senado.

Novas regras sobre precatórios abrem espaço no Orçamento, beneficiando tanto os gastadores do governo Lula quanto os parlamentares ávidos por emendas

A PEC prevê que os precatórios voltarão ao cálculo da meta fiscal gradativamente, com elevação anual de 10 pontos porcentuais: em 2027, apenas 10% (e não 100%) dos pagamentos de precatórios serão incluídos na conta da meta; em 2028, 20%; e assim sucessivamente, até 2036, quando toda a despesa com precatórios estará incluída na âncora fiscal que estiver em vigor – isso, claro, se o Congresso não resolver repetir a dose até lá. Além disso, os precatórios ficarão excluídos do limite máximo de aumento total da despesa governamental, que corresponde à inflação mais 2,5 pontos porcentuais. Além disso, a PEC muda o indexador da correção do precatório, prejudicando os credores. E, se quem tem dinheiro a receber do governo já tem motivos para reclamar, os credores de precatórios estaduais e municipais têm muito mais razões de preocupação: a PEC 66 acaba com os prazos de pagamento dessas dívidas – em outras palavras, institucionaliza o “devo, não nego, pago quando puder”.

Na prática, as novas regras abrirão espaço bilionário no Orçamento da União, resolvendo os problemas tanto dos irresponsáveis do governo Lula, que poderão gastar ainda mais, quanto dos gananciosos no Congresso, que avançam cada vez mais sobre o dinheiro do contribuinte por meio das aberrantes emendas parlamentares, e não correrão o risco de vê-las represadas para que o Executivo cumpra metas fiscais. Isso explica o apoio maciço dado pelos parlamentares à PEC 66: 404 a 67 no primeiro turno na Câmara, 367 a 97 na segunda votação na Câmara, e 62 a 4 no primeiro turno no Senado.

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As consequências da farra, no entanto, vão muito além da instabilidade jurídica e econômica, que acaba com a credibilidade do governo e espanta investimentos. Ainda que esses precatórios fiquem fora das contas do arcabouço fiscal, o eventual cumprimento da meta graças a essa gambiarra orçamentária será ilusório; afinal, essas despesas continuarão a ser pagas de qualquer modo, e o dinheiro para elas terá de sair de algum lugar: do aumento de impostos, da emissão de moeda ou de ainda mais endividamento, todas soluções que terão efeitos drásticos na economia.

Mas esta é uma conta que não preocupa nem Lula, nem Fernando Haddad, nem os deputados e senadores que votaram a favor da PEC 66, pois a bomba só vai estourar mais à frente, quando muitos eleitores já nem se lembrarão de quem a armou. A desorganização fiscal, quando convém ao Executivo e ao Legislativo, deixa de ser um problema, unindo governos e oposições de todos os matizes ideológicos no terraplanismo econômico da geração espontânea de dinheiro. Enquanto isso, o Brasil real, feito de pagadores de impostos e credores de precatórios que sabe-se lá quando serão pagos, sofre as consequências.

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