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Editorial

Recuperar o capital físico

Imagem ilustrativa. (Foto: Ivan Bueno/APPA)

A Economia é ciência quando recolhe dados da realidade, estuda, testa, compreende e extrai conclusões válidas sobre o funcionamento do sistema econômico nacional em seus diversos aspectos. Ainda que as questões econômicas essenciais possam ser compreendidas sem maiores dificuldades, o sistema econômico de um país apresenta aspectos e lógica de funcionamento que somente a investigação detalhada, feita com observância do método científico e ferramentas teóricas desenvolvidas ao longo de séculos, permite compreensão com elevado grau de acerto. Mas a economia (no sentido de sistema de produção, distribuição, consumo e investimento) como ciência social, submetida a longa lista de ações humanas individuais e coletivas, esconde perigosas armadilhas desconhecidas por imensa parcela da população e das classes dirigentes.

Um tema pouco esclarecido no Brasil diz respeito à limitação do Produto Interno Bruto (PIB) na solução dos problemas sociais mais graves, como a miséria, a pobreza, o desemprego e as desigualdades de renda. Embora seja importante como medida de produção agregada e taxa de crescimento, a variação do PIB sozinha está longe de explicar em seu todo certos problemas nacionais. Para começar, o PIB é a soma dos bens e serviços finais produzidos anualmente expressada em valores monetários; o problema começa quando os valores nominais do PIB na moeda nacional aumentam de um ano para outro sem que isso se transforme em visíveis melhorias estruturais e aumento do bem-estar social na mesma proporção.

A taxa de investimento capaz de sustentar crescimento econômico de 5% ao ano gira em torno de 25% do PIB, mas o Brasil não tem conseguido sair da faixa entre 17% e 18%

Há o caso de aumento do PIB por razões que não dependem de méritos do sistema econômico nacional – como, por exemplo, quando um produto relevante na pauta de exportação do país tem aumento de preços internacionais e puxa o PIB para cima, mesmo sem ter ocorrido qualquer aumento das quantidades físicas produzidas nem aumento da massa de salários do setor. Se a exportação de uma tonelada de um produto ocorre quando há elevação de preço, o PIB monetário do setor daquele produto é aumentado, mesmo que tenha havido redução nas quantidades físicas produzidas. Esse é um caso em que pode ocorrer até mesmo aumento e redução da massa de salário naquele setor simultaneamente ao aumento do PIB monetário nominal.

Outro problema com o PIB nominal é que seu cálculo não desconta o desgaste do capital físico do país utilizado pela economia durante o ano, desgaste esse representado pela depreciação da infraestrutura física (portos, aeroportos, rodovias, ferrovias, energia, telecomunicações, armazenagem, rede de água e esgoto etc.), da infraestrutura empresarial (prédios, máquinas, equipamentos, móveis, ferramentas etc.) e da infraestrutura social (escolas, hospitais, habitação, creches, instituições assistenciais, igrejas, clubes de lazer etc.). O desgaste do capital físico do país deve ser calculado a partir dos custos financeiros atualizados referentes aos investimentos feitos para construir o referido capital, considerando seu envelhecimento, a perda de eficiência e a obsolescência tecnológica.

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Ao executar esse procedimento na contabilidade nacional, o país identifica o valor total referente ao desgaste do capital físico usado no período, deduz esse valor do PIB e chega ao Produto Interno Líquido (PIL). Essa informação é fundamental porque uma parte do PIB é composta de bens de capital destinados a repor o desgaste do capital físico existente e expandir o tamanho desse capital, a fim de criar condições para o crescimento regular do PIB nos anos futuros. Por isso, não é a totalidade do PIB de cada ano que fica disponível para consumo da população e do governo.

Entre outros fatores, é pelas deficiências do capital físico que o Brasil não tem conseguido crescimento econômico a taxas expressivas todos os anos, como também não tem conseguido repor o capital físico desgastado, nem expandi-lo de forma a viabilizar aumentos expressivos do PIB nos anos futuros. Uma das causas do pouco debate e pouca atenção a esse ponto – a recuperação e a expansão do capital físico – é o foco exageradamente centrado no crescimento do PIB que, conquanto seja importante, isoladamente não é suficiente para elevar o produto por habitante capaz de tirar o país do atraso e da pobreza em duas ou três décadas.

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A taxa de investimento capaz de sustentar crescimento econômico de 5% ao ano gira em torno de 25% do PIB, mas o Brasil não tem conseguido sair da faixa entre 17% e 18%. Com isso, vai se alargando a cada ano o hiato entre o total de capital físico existente e o quanto seria necessário para viabilizar aumento do PIB na faixa dos 5% ao ano. Esse ponto altamente relevante recebe pouca atenção e, após décadas de baixa taxa de investimento, o país vai ficando cada mais distante do tamanho requerido das três infraestruturas somadas para poder sonhar com o ingresso no grupo dos países desenvolvidos.

Nesse quadro todo, destaca-se um gargalo grave: o setor público retira 34% do PIB em tributos arrecadados anualmente, mas os investimentos agregados da União, estados e municípios não superam 2,5% desse mesmo PIB, pois a máquina estatal inchada, perdulária e com alto grau de privilégios e corrupção, nas três esferas da federação, devora as receitas tributárias de tal forma que o total de investimento fica bem abaixo das necessidades do país. Esse problema todo constitui um tema que precisa ganhar espaço no debate nacional e ingressar no primeiro nível das preocupações das autoridades políticas e da população em geral.

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