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Editorial

Reformas e culpa

Para uma reforma política efetiva, a proposta deve ser apresentada, antes da posse, como primeira matéria a ser votada pelo novo Congresso. A colocação do governador mineiro Aécio Neves procede, ao evitar a dispersão da tese de reforma da estrutura político-constitucional, reduzindo situações que comprometem a governabilidade – entre elas os desvios do "mensalão" e dos "sanguessugas" que já estão levando à renúncia de parlamentares envolvidos.

Há demandas urgentes no aperfeiçoamento das instituições brasileiras, desde a atualização de uma lei penal feita para um país rural até a estrutura burocrática que bloqueia o empreendedor num mundo globalizado. Mas as primeiras reformas devem ser de natureza política, por ser a política a função-síntese da vida em sociedade, como propõe o habilidoso governante de Minas Gerais. Entre as quatro funções prioritárias, Aécio Neves defende, ao lado da manutenção da cláusula de desempenho dos partidos – votada há oito anos e agora aplicada pela primeira vez – o voto distrital misto, a fidelidade partidária e o financiamento público das campanhas.

O trem das mudanças parte do regime de voto porque, é força reconhecer, o processo proporcional de representação – vereador, deputado estadual e federal – é uma experiência esgotada no Brasil. Concebido por pensadores europeus do século XIX como forma de assegurar voz a correntes de opinião ideológicas, na prática degenerou em grupos de influência em vez de partidos, falseando a representação e comprometendo a governabilidade.

Conjugado com baixa experiência de líderes no Executivo, esse sistema pode descambar para a corrupção, como a que comprometeu o atual período. Em obra recente sobre presidencialismo e governabilidade nas Américas, o professor Octavio Amorim Neto sentencia que o presidencialismo de coalizão é particularmente passível de erro no relacionamento com o Congresso. O primeiro desvio ocorreu na formação da base de apoio parlamentar, com a cooptação via métodos não ortodoxos conduzida pelo governo do PT. As crises seqüentes, tipo mensalão, sanguessugas, foram o desdobramento dessa falha inicial.

Por isso não cabem os ataques que o presidente fez ao Congresso, a partir da leitura de pesquisas conjunturais que debitam a deputados e senadores a culpa dos escândalos. É certo que congressistas mal intencionados se cevaram na corrupção, mas no caso prevalece a figura jurídica da "culpa concorrente", como começa a apurar a CPI dos "sanguessugas". O empresário que agenciava ambulâncias superfaturadas depôs que o atual governo abriu facilidades para a operação; quando ministérios foram aparelhados por partidários sem maior preparo ou qualificação ética – "com base numa visão antiga de Estado", segundo a professora Lourdes Sola, presidente da Associação Internacional de Ciência Política.

O colunista Élio Gaspari ajunta ser incorreto "tentar impor a um Congresso desmoralizado a pecha por uma responsabilidade conjunta". Contudo, depois que a proposta de Constituinte foi bombardeada, uma reforma política só é viável num acordo de todas as forças nacionais, como na Espanha e no Chile quando ingressaram na fase de democratização.

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