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O trabalhista Keir Starmer, novo primeiro-ministro britânico, e a esposa, Victoria, diante da residência oficial em Downing Street, um dia após a vitória eleitoral de 4 de julho.
O trabalhista Keir Starmer, novo primeiro-ministro britânico, e a esposa, Victoria, diante da residência oficial em Downing Street, um dia após a vitória eleitoral de 4 de julho.| Foto: Andy Rain/EFE/EPA

Poucos dias antes de a França eleger, para a Assembleia Nacional, dois blocos significativos que estão em pontas opostas do espectro político, uma outra grande eleição europeia havia terminado com um resultado que, de certa forma, vai na contramão da ascensão dos populismos e do acirramento da polarização política. No Reino Unido, o Partido Trabalhista pôs fim a 14 anos de governo do Partido Conservador, e o fez de forma avassaladora no último dia 4 de julho. Das 650 cadeiras da Câmara dos Comuns, os trabalhistas conquistaram uma supermaioria de 412, dobrando sua presença; enquanto isso, os conservadores, que até então tinham 344 membros no Parlamento, encolheram para apenas 121.

Os resultados, é verdade, acabaram superdimensionados graças às peculiaridades do sistema distrital puro britânico. Os trabalhistas conseguiram quase dois terços das cadeiras no Parlamento tendo um terço dos votos totais; seus 34% representam um ganho de apenas dois pontos porcentuais em comparação com a eleição anterior. O oposto ocorreu com os conservadores, que venceram em 19% dos distritos, mas tiveram 24% de todos os votos depositados no dia da eleição. A queda de 20 pontos porcentuais em relação a 2019 indica que, de fato, a legenda perdeu muito apoio popular – parte desses eleitores pode ter migrado para o Reform UK, de Nigel Farage, mais à direita, que saltou de 2% para 14% do total de votos entre 2019 e 2024, mas conseguiu eleger apenas cinco parlamentares (menos de 1% das cadeiras em disputa) no último dia 4.

Enquanto em outros países a população está recompensando discursos mais radicais à direita e à esquerda, no Reino Unido foi preciso que os trabalhistas se tornassem mais moderados para voltar a ter chances de vitória

O governo conservador, iniciado em 2010 com a vitória de David Cameron, teve uma segunda metade bastante turbulenta. Em 2015, Cameron se manteve no poder com a promessa de um referendo sobre a permanência do Reino Unido na União Europeia, embora fosse pessoalmente contrário ao Brexit – motivo pelo qual, em 2016, renunciou à liderança dos conservadores após o referendo que decidiu pela saída britânica. Cameron foi sucedido por primeiros-ministros comprometidos com o Brexit, como Theresa May e, depois, Boris Johnson. Vieram, então, a pandemia de Covid e as festinhas clandestinas que, ao lado de outros escândalos, selaram o destino de Johnson, substituído em 2022 por Liz Truss; ela, no entanto, durou apenas um mês e meio no cargo e deu lugar a Rishi Sunak, que até conseguiu reverter parte da instabilidade econômica, mas não o suficiente para se garantir no número 10 de Downing Street por mais cinco anos.

O desgaste dos conservadores, no entanto, não explica sozinho o sucesso dos trabalhistas, que souberam se reinventar nos últimos anos. O novo primeiro-ministro, Keir Starmer, durante seu período como líder da oposição, conduziu um processo semelhante ao que Tony Blair havia realizado em meados dos anos 90 e que deu origem ao chamado “New Labour”. Em ambos os casos, os líderes trabalhistas perceberam que o partido estava caminhando cada vez mais para a esquerda, e se empenharam em puxá-lo de volta para a centro-esquerda. Em 1994, tratava-se de repelir uma cláusula do estatuto do partido que defendia a coletivização da indústria; em 2020, tratava-se de isolar a ala mais radical e até mesmo antissemita dos trabalhistas, que vinha dando as cartas com Jeremy Corbyn – suspenso do partido em 2020 e expulso em 2024.

Certo de que o radicalismo de Corbyn custou aos trabalhistas a vitória na eleição de 2019, Starmer venceu a disputa para sucedê-lo na liderança do partido com uma plataforma de esquerda, mas passou a moderar o discurso. Embora ainda se declarasse “socialista” em entrevistas realizadas semanas antes da eleição da semana passada, Starmer já elogiou Margaret Thatcher, declarou apoio à Ucrânia após a invasão russa em 2022, e também defendeu o direito de Israel a se defender dos terroristas do Hamas – uma posição que, segundo analistas britânicos, tirou dos trabalhistas a vitória em alguns distritos com forte eleitorado muçulmano, onde o partido foi derrotado por candidatos independentes com plataforma pró-Palestina. O novo primeiro-ministro tem um discurso de combate ao crime e à imigração ilegal, e chegou a dizer que mulheres transgênero não têm direito a usar espaços reservados apenas a mulheres.

Se o discurso se tornará realidade com Starmer no poder é algo ainda a ser visto; nem mesmo a maioria conservadora que vigorou até agora no Parlamento impediu o Reino Unido de se tornar um país onde até mesmo rezar silenciosamente nas proximidades de uma clínica de aborto pode render problemas com a polícia e a Justiça. De qualquer forma, é notável que, enquanto do outro lado do Canal da Mancha (e do Oceano Atlântico) a população esteja recompensando discursos mais radicais à direita e à esquerda, no Reino Unido foi preciso que os trabalhistas se tornassem mais moderados para voltarem a ser palatáveis ao eleitorado.

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