Renan Calheiros, presidente licenciado do Senado, volta à ribalta com a decisão do Conselho Político pela cassação de seu mandato, agora pendente de apreciação do plenário daquela casa, que deve ocorrer na próxima quinta-feira. Após se livrar de sucessivas acusações, o parlamentar de Alagoas vai enfrentar o julgamento final de seus pares em processo relacionado com a compra oculta de órgãos de comunicação, em votação marcada para a próxima semana. Exposto ao longo dos últimos meses a uma série de denúncias, Renan foi afetado como homem público e levou ao desgaste a instituição que presidia, da qual acabou se afastando temporariamente.
A situação se arrasta desde que foi formulada a primeira denúncia de uso de recursos indevidos para o pagamento de pensão alimentícia e incomoda o conjunto de senadores que podem decidir pelo seu afastamento num juízo político para o qual não cabe recurso. O caso Renan exemplifica não ser prudente tensionar os valores republicanos; sendo recomendável que os agentes políticos, do vereador, passando por governantes estaduais até a cúpula da federação, observem os limites do "bem governar" como queriam os fundadores da República.
Os representantes do povo parecem ter perdido de vista o fato de que sua atuação deveria ser pautada pelos interesses da sociedade. Esse princípio republicano parece ter se desgastado ao longo do tempo, como reflexo de uma sociedade cada vez mais voltada para interesses individuais e muito alheia aos temas coletivos. Elevada ao extremo nos dias de hoje, a falta de escrúpulos na vida pública se revela com a cooptação dos titulares de mandatos populares por práticas como vantagens pessoais do tipo "mensalão" e em esquema como o das "sanguessugas", para ficar apenas nos episódios mais ruidosos. No primeiro caso, sob julgamento pelo Supremo, parlamentares aceitaram suborno para votar matérias de interesse do Poder Executivo; no segundo, se apropriaram de verbas via emendas ao orçamento destinadas à compra de ambulâncias para o setor de saúde.
As denúncias contra o senador Calheiros compõem um quadro de desvios não incomum no cenário da representação. O custo elevado dos parlamentares brasieliros em relação a países mais ricos deixa a sensação de que faltam peças no mecanismo das instituições republicanas adotadas em nosso país. Há também peças a mais, como o corporativismo que garantiu a absolvição do senador e evitou a perda do mandato em 12 de setembro, ocasião em que 40 de seus pares o inocentaram da acusação de pagar despesas pessoais com recursos do lobista Cláudio Gontijo, funcionário da construtora Mendes Junior.
Como lembrou o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos, "no iluminismo, Montesquieu dizia que não se constrói uma sociedade baseada na virtude dos homens, mas na solidez das instituições". Por isso urge aperfeiçoar a República, tornando rígida a escolha dos representantes, fortalecendo os partidos, mas, principalmente, difundindo entre o povo a cultura política para entender que governos têm poderes limitados pelas leis e vigilância da opinião pública.



